Sopro 52

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Sopro 52:

  1. Notas para Literaturas Pós-autônomas III, da Josefina Ludmer. Para quem se interessa pela Ludmer, recomendo uma visita ao site dela, que inclui um blog, de onde traduzimos o texto pro Sopro. Vale lembrar que já publicamos o Literaturas pós-autônomas no panfleto;

  2. Gastronomia mitológica: excelente texto do Furio Jesi, traduzido pelo Vinícius Honesko - a tradução apareceu pela primeira vez no Flanagens. Do Furio Jesi, já publicamos 5 fragmentos sobre Mito e linguagem;

  3. A cauda, de Luis Tejada. O texto é um dos verbetes do Dicionário crítico do Sopro.

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Abaixo, o texto que eu iria apresentar no II Congresso Internacional de Direitos Humanos da ULBRA - Iguais na Diferença, em Canoas, ontem (10/6/2011), evento organizado pelo Moysés Neto, ao qual não pude comparecer por força maior (as cinzas do vulcão chileno).O texto resume alguns tópicos que estou pesquisando para minha tese de doutorado. Apresentei uma variante resumida do texto e mais focada nos direitos autorais duas semanas atrás, na mesa "O que é um autor?", da Semana de Letras da UFSC. Para baixar a versão em PDF, clique aqui.

1. Estamos acostumados a conceber a história dos direitos humanos como uma escalada progressiva de conquistas dos cidadãos, ou da sociedade, diante do Estado, ou do autoritarismo estatal. Esta visão não está de todo equivocada; porém, ela pode levar à omissão das nuances envolvidas na consolidação dos direitos humanos, e, conseqüentemente, a uma visão ingênua e acrítica de sua conformação histórica atual. A escalada de um direito a uma posição fundamental e pretensamente universal não está isenta de percalços, de alianças com o poder, e, por vezes, de uma origem que não parece condizer com os discursos que o defendem. Para parafrasear Nietzsche, todas as coisas boas já foram más certa vez. O trabalho que apresentarei hoje pretende percorrer brevemente a história, ou melhor, a genealogia de um dos direitos fundamentais, talvez o direito que fundamente ou garanta os demais: a liberdade de pensamento, e seu corolário, a liberdade de expressão.

2.
Como sabemos, na tradição jurídica ocidental, a lei não pode punir pensamentos, intenções, mas apenas atos, ações. Segundo Emanuele Coccia, a grande sacada política do cristianismo na Idade Média foi justamente criar uma doutrina teológico-jurídica que  convertia os pensamentos em ações, tornando-os passíveis de punição pela lei. Mas se o pensamento era uma ação punível, então ele seria fruto soberano da vontade do sujeito. Só não acreditava nos dogmas da Igreja quem não queria, isto é, quem escolhia não ter fé: uma "certeza voluntária". Ao igualar as crenças, as opiniões e os saberes, a atos voluntários de um sujeito, o cristianismo os tornava objeto da lei (aquilo que torna possível a obediência e a transgressão). Daí a força das noções teológico-jurídicas de "pecado" e "heresia"; e, mais do que isto, daí a verdadeira essência do "poder espiritual", que se baseava justamente nesta equivalência entre pensamento e ação: não só pensar era já um ato passível de enquadramento legal, como também para o sujeito era impossível agir contrariamente a sua consciência, a sua confissão religiosa. A possibilidade de controle que isto possibilitava é evidente. Além disso, pode-se facilmente depreender como e porque as cismas religiosas, o banimento de seitas hereges, a perseguição doutrinária, e, finalmente, as guerras religiosas que cresceram exponencialmente durante a Reforma, produziram tantos massacres e destruições: eram "guerras confessionais", isto é, guerras (ações) em que estavam em jogo "certezas" (pensamentos).

3. Os dois livros fundadores da teoria do Estado moderno foram escritos durante guerras civis religiosas: "Os seis livros da República de Bodin aparecem [em 1576] quatro anos depois da Noite de São Bartolomeu, e o Leviatã, de Hobbes, em 1651, ou seja, onze anos depois do começo do Long Parliament". Ou seja, a fundação teórica e prática do Estado moderno visava dar fim às guerras civis religiosas, às guerras confessionais; neutralizando o poder temporal das Igrejas e afirmando um poder acima dos demais poderes, um poder soberano. Para tanto, foi preciso privatizar as questões confessionais, cindindo o homem em uma faceta pública e outra privada, em homem e cidadão. A melhor formulação desta privatização foi feita por Hobbes, no capítulo do Leviatã dedicado a investigar as "coisas que Enfraquecem ou levam à DISSOLUÇÃO de uma República". Dentre as "doenças de uma república que derivam do veneno das doutrinas sediciosas" estaria a "Consciência errônea":

Outra doutrina incompatível com a sociedade civil é a de que é pecado o que alguém fizer contra a sua consciência, e depende do pressuposto de que o homem é juiz do bem e do mal. Pois a consciência de um homem e o seu julgamento são uma e mesma coisa, e tal como o julgamento também a consciência pode ser errônea. Portanto, muito embora aquele que não está sujeito à lei civil peque em tudo o que fizer contra a sua consciência, porque não possui nenhuma outra regra que deva seguir senão a sua própria razão, o mesmo não acontece com aquele que vive numa república, porque a lei é a consciência pública, pela qual ele já aceitou ser conduzido. Do contrário, em meio a tal diversidade de consciências particulares, que não passam de opiniões particulares, a república tem necessariamente de ser perturbada, e ninguém ousa obedecer ao poder soberano senão na medida em que isso se afigurar bom aos seus próprios olhos.

Dito de outro modo: sob a tutela do Estado moderno, cada um pode pensar o que quiser, pode manter a sua consciência privada sem risco de punição, devendo, apenas, agir publicamente conforme a lei, isto é, conforme a "consciência pública". O poder deixa, assim, de considerar o pensamento como uma ação, como um ato: este é o sentido da moderna liberdade de pensamento. Pensamento (privado) e ação (pública) se apartam. Pode-se pensar qualquer coisa, desde que publicamente se aja conforme a lei.

Mas essa privatização do pensamento cria um problema, ou melhor, cria uma esfera que é privada e pública ao mesmo tempo. Trata-se da esfera em que o sujeito "expressa" sua consciência privada em público, a esfera da "manifestação" (a rua, os cafés, os livros, os jornais, etc.). Nessa esfera, a lei não chega mais, pois as manifestações do pensamento deixaram de ser considerados atos. Todavia, tais manifestações, expressões, podem ter efeitos políticos, podem se espalhar e criar condutas que ameacem a ordem pública, gerando sedições. Jean Bodin, a quem devemos o nosso moderno conceito de soberania como o poder absoluto e perpétuo num Estado, achará uma solução para esse problema: o resgate do instituto romano da censura, "uma das melhores e mais excelentes medidas que já se introduziu em qualquer Estado, e que contribuiu muito para a preservação do Império romano". Diz Bodin que "é suficientemente óbvio que os mais detestáveis vícios que envenenam o corpo político não podem ser punidos pela lei". Era no campo da ação humana dos costumes, das manifestações, das condutas, onde a lei não chega, que agia o censor romano invocado por Bodin: "Pode-se ver como a maioria dos Estados são atormentados por vagabundos, andarilhos, e rufiões que corrompem os bons cidadãos pelos seus feitos e seu exemplo. Não há meios para se livrar de tais vermes salvo pelo censor". O censor é aquele que reprime manifestações e expressões que podem ter efeitos nefastos, ou seja, exerce a censura; mas para fazê-lo, ele deve fazer um levantamento detalhado de cada integrante da população, dos seus bens, de sua produção, ou seja, realizar um censo. Para poder censurar, é preciso poder medir, identificar, individualizar.

4. É nesse contexto que devemos entender o cruzamento entre a reivindicação teórica da censura e a prática censória realmente existente à época. Entre as formulações de Hobbes e Bodin, ou seja, entre o século XVI e o XVII, o papa Clemente VIII publicou uma instrução, algo como uma Medida Provisória de nossos dias, obrigando os livros a exibirem nome, sobrenome, e país de publicação, o que não era comum na medievalidade, que conheceu uma profusão de textos anônimos sobre os quais até hoje se debate a autoria. O objetivo da norma era evidente: através dela, vedava-se a publicação de textos anônimos, permitindo assim identificar e responsabilizar autores, editores e cidades que escrevessem, publicassem e/ou fizessem circular livros hereges, pecadores, sediciosos, etc. A norma faria larga fortuna dentro da Igreja Católica, consolidando-se como uma das regras do Index, o índice de livros proibidos, cuja última edição foi editada já no século XX. O que pode assustar é que ela se espalharia também em normativas protestantes e laicas, universalizando-se e permanecendo até nossos dias. A mera ficha catalográfica, a identificação presente em todo livro de seu autor, título e editor, é um resíduo de um dispositivo da censura. A vedação do anonimato possibilitou um controle inaudito das publicações, a individuação e responsabilização de autores e editores, e se enraizou de modo tão forte que aparece até mesmo nas Declarações de Direitos: ao mesmo tempo que estas garantem a liberdade de expressão, possibilitam o seu reverso, a responsabilização do sujeito que se expressa. Diz o art. 11º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: "A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei". Por sua vez, diz o inciso IV do art. 5º da nossa atual Constituição: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"; o inciso seguinte garante o direito de resposta. A responsabilização só é possível se for possível individuar o responsável, o autor. Que o anonimato permita fugir do controle censório é atestado, em forma mitigada, pelo sigilo da fonte jornalística.  A validade do dito benjaminiano de que todo documento de cultura é, ao mesmo tempo, documento da barbárie, é patente aqui.

5. Vimos que a moderna liberdade de expressão nasce da separação entre pensamento e ação: com o advento do Estado moderno e a neutralização do "poder espiritual", pensar deixa de ser considerado um ato. Todavia, tal separação cria uma esfera intermediária que a lei não consegue atingir plenamente, a esfera em que o sujeito privado expressa-se, manifesta-se, dá-se a ver publicamente. Para controlar esta esfera, a censura é teorizada e praticada, com a individuação e controle das manifestações, dos costumes. Além disso, assim como o indivíduo moderno é cindido em uma faceta privada e outra pública, em sujeito e cidadão, a sua expressão também sofre tal cisão. Na medida em que a expressão, a exteriorização da consciência privada pode provocar efeitos como as sedições, envenenando a esfera pública, ou seja, conduzindo a atos ilegais, cria-se uma distinção, interior à própria expressão, entre a "mera expressão" e a "expressão como ação", entre pura exteriorização do pensamento e ação propriamente dita. Se a expressão caracterizar-se como uma ação ilegal, o sujeito pode ser responsabilizado por ela. Na jurisprudência americana, isso foi estabelecido pela diferenciação entre expression e conduct: a liberdade de expressão não cobre aquelas manifestações que conduzem a um efeito direto. Se a manifestação se configurar uma conduta, se levar à ação, sua legalidade dependerá da legalidade ou não da ação (na legislação brasileira, isso se reflete nos tipos penais da incitação ao crime). Daí o famoso exemplo, comum nos manuais de Direito, da pessoa que grita "Fogo!" em um teatro lotado, quando sabe que não há incêndio algum - ela não pode alegar estar exercendo a "liberdade de expressão".

6. Mas qual a natureza jurídica da "expressão"? Por um lado, ela é a manifestação de uma "consciência privada" devidamente individualizada pelos dispositivos de identificação que associam uma expressão a um sujeito. Por outro, ela não é uma ação, ainda que possa conduzir à ação, e, assim, estar sujeita à responsabilização legal. Contudo, para responder melhor à questão, talvez o melhor seja recorrer às próprias reivindicações da liberdade de expressão. Comecemos pela mais famosa delas, o Areopagitica, do político e poeta John Milton. Nesse famoso discurso contra a censura, Milton, que mais tarde seria nomeado ele mesmo censor Real, caracteriza o pensamento como uma mercadoria: o dano que a censura causa, diz ele, "É mais grave do que a de um inimigo que nos impusesse um bloqueio marítimo de todas as nossas baías e portos estuários. Obstrui e retarda a importação da nossa mais rica mercadoria, a verdade". Não se trata de uma simples metáfora. A equiparação do pensamento a uma mercadoria era um lugar comum na defesa que os editores faziam da liberdade de expressão. Em sua Apologia dos Impressores, de 1731, Benjamin Franklin ressalta esse caráter da liberdade de expressão como uma liberdade comercial, da opinião como uma mercadoria: "o Negócio da Impressão tem principalmente a ver com as Opiniões dos Homens". Disso deriva "a peculiar Infelicidade daquele Negócio, a que outras Vocações não estão sujeitas; aqueles que seguem a Impressão raramente podem fazer qualquer coisa em seu modo de Viver que não Ofenda provavelmente a alguns, e provavelmente a muitos; enquanto o Ferreiro, o Sapateiro, o Carpinteiro, ou o Homem de qualquer outro Mercado, pode trabalhar indiferentemente para Pessoas de todas as Mentalidades, sem ofender nenhuma delas". De maneira similar, em uma carta de 1763, Giulio Rucellai, jurista e político italiano, dirá que: "A imprensa não pode ser considerada senão como uma manufatura determinada unicamente pelo espírito do comércio. (...)  A base deste comércio é a liberdade".
    Portanto, a expressão e impressão do pensamento passam a ser concebidos na modernidade como produções privadas. E, conseqüentemente, os livros são mercadorias, produtos. Não causa espanto, assim, que a censura judicial trate os livros como tais. Desde pelo menos o século XVII, a censura judicial passa a não levar em conta a intenção do autor, sua consciência privada, atentando-se somente aos efeitos que o texto pode produzir, aquilo que a expressão pública de tal consciência pode ocasionar. Enquanto donos da mercadoria, do texto, o autor e/ou o impressor devem responder pelos seus efeitos - exatamente como as empresas devem responder objetivamente pelas suas mercadorias industriais, ou seja, sem levar em consideração a existência da intenção de lesar os consumidores.

A maior prova de que o pensamento se privatizou, de que a escrita é uma mercadoria, é a existência dos ghost-writers, que vendem por inteiro seus direitos autorais, incluindo o direito a ter seu nome na capa. Aliás, os direitos autorais expressam a ideologia em que o conhecimento ou o pensamento são produções privadas, são mercadorias. Os direitos autorais regulam a produção do conhecimento, assinalando a cada autor o direito (até de alienar) a sua produção (livro, obra, texto), individualizando o conhecimento. Porém, e esse é o outro lado da moeda, esse dispositivo pelo qual o autor produz a sua obra é o mesmo que permite a sua responsabilização. Individualizar cada escrito a um autor é tanto garantir que ele tenha direitos por ela, quanto permitir que ele possa ser total e isoladamente responsabilizado. Daí que o mesmo dispositivo da censura que veda o anonimato permita que o sistema de direitos autorais funcione a contento: só com a identificação de um responsável por um texto, por um livro, por uma obra de arte é que se pode atribuir a ele a propriedade sobre sua "expressão".

7. Portanto, a liberdade de expressão nasce como uma privatização do pensamento. Desse modo, o pensamento deixa de ser considerado uma ação, o que gera uma esfera onde a lei não chega, nem totalmente pública, nem totalmente privada, uma esfera na qual o sujeito manifesta sua opinião privada em público - uma esfera dos costumes, dos discursos, dos textos, em suma, aquilo que mais tarde receberia o nome de esfera pública. É só com a privatização do pensamento, e com a apropriabilidade e circulação mercantil das manifestações, que algo como a esfera pública moderna se constitui. De fato, Habermas demonstrou como esta só pôde se formar a partir da mercantilização dos bens culturais: "como mercadorias, tornam-se, em princípio, acessíveis a todos", o que acarreta "o não fechamento do público": "todos (...) podiam, através do mercado, apropriar-se dos objetos em discussão. As questões discutíveis tornam-se gerais". Sob esta perspectiva, entende-se melhor o perigo identificado por Tocqueville: "A democracia não faz somente penetrar o gosto pelas letras nas classes industriais; introduz o espírito industrial nos domínios da literatura. As literaturas democráticas sempre proliferam em autores que só percebem nas letras uma indústria e, embora possuam alguns grandes escritores, contam-se aos milhares os vendedores de idéias". A ameaça era que o caráter privado da esfera da expressão dominasse e obliterasse o seu caráter público, tornando a esfera pública um "mercado das idéias", ameaça que, talvez, esteja se concretizando no seu máximo potencial apenas hoje.

8. Podemos generalizar a preocupação de Tocqueville em uma formulação mais ampla: o que, ou quem, controla e dá a medida à "esfera pública", composta de opiniões privadas e que tem como base a privatização do pensamento? Antes do descrédito recente e das conotações pejorativas que recaíram sobre o termo "censura", era ele o invocado para descrever esta posição - e, neste sentido, podemos dizer que Tocqueville apontava para uma censura de mercado. A filosofia política moderna defendeu a naturalidade ou a necessidade de tal posição, ou seja, da posição do censor - com exceções honrosas, como a de Voltaire, para quem "A censura é muito boa para manter num povo os preconceitos úteis àqueles que governam".

Talvez o primeiro filósofo moderno a formular a indissociabilidade entre a esfera público-privada dos costumes e das manifestações e a censura tenha sido Locke. O pensador inglês argumentava que dos três tipos de leis, a Divina, a Civil e a da Reputação, a última é que teria mais peso, apesar da sua falta de coercibilidade jurídica. Se alguém pode tentar fugir das punições da vida extra-terrna, ou mesmo das penas impostas pelo Estado, é quase impossível fugir do julgamento dos outros quanto a um comportamento ou opinião. Esse julgamento é a Lei da Reputação, que Locke também chama de Law of Fashion, Lei da Opinião, Lei dos Costumes, e, finalmente, Lei da Censura Privada. Tal Lei não teria, porém, um árbitro, formando-se através de um "um consenso secreto e tácito". A explicação é culturalista: "virtude" designaria o que uma sociedade acha louvável, e "vício", o que acha reprovável. É preciso destacar aqui que Locke, apesar de não preceituar um órgão censor, destaca a importância da função censora, que seria exercida e formada consensualmente pela opinião da sociedade. Porém, sabemos que não existe consenso sem uma boa dose de coerção; ou melhor, a opinião consensual é sempre formulada por alguém, por um órgão. A quem caberia exercê-lo?

A filosofia política moderna propôs basicamente duas respostas à questão. A primeira delas é que o órgão censor deveria pertencer às fileiras do Estado. É a posição de Bodin, de Montesquieu e de Rousseau, este último um árduo defensor da censura de textos, a ponto de caracterizar a imprensa como a "arte de eternizar as extravagâncias do espírito humano". "Assim como a declaração da vontade geral se faz pela Lei", diz Rousseau, "a declaração do julgamento público se faz pela censura. A opinião pública é uma espécie de lei cujo ministro é o censor".  Mas se a censura apenas expressa a opinião pública, porque um censor é necessário? A resposta é simples: aquilo que é objeto de louvor pela opinião pode o ser erroneamente - assim como a consciência privada para Hobbes poderia ser errônea. Ou melhor: se, de fato, a censura apenas expressa o julgamento da opinião pública, ou da esfera privada, alguém, algum órgão precisa ser o porta-voz dessa expressão - e, mesmo, desse julgamento: "Ama-se sempre aquilo que é belo ou que se julga belo. É, porém, nesse julgamento que surge o engano, sendo pois necessário regulá-lo. [O tribunal censório que] julga os costumes, julga a honra, e quem julga a honra, vai buscar sua lei na opinião".

De Lolme fornecerá uma resposta diferente sobre quem deve declarar a opinião pública, ao tratar do "censorial power" em seu livro sobre a Constituição da Inglaterra. Ali, a área de atuação do "power of censure" é situada, como no resto da literatura sobre o assunto, naqueles casos "que estão fora do alcance das leis". Mas ao contrário de Rousseau, e, "de todos os autores sobre o assunto" com que De Lolme diz ter se deparado, o teórico político suíço-inglês se coloca contra a instituição de um "tribunal censório". Na medida em que é "somente a opinião dos indivíduos que constitui a verificação [check] de um poder censor, este poder não pode produzir o efeito desejado além do ponto em que esta opinião é tornada conhecida e declarada: os sentimentos do povo são a única coisa em questão aqui: é, portanto, necessário que o povo deva falar por si mesmo, e manifestar estes sentimentos". Mas onde o povo fala e se manifesta? De Lolme está ciente de que a função censora necessita de um órgão para se fazer valer, e nisso a Constituição inglesa seria exemplar, pois ela "entregou nas mãos do povo (...) o exercício do poder censório":

Todo sujeito na Inglaterra tem não apenas o direito de apresentar petições ao rei, ou às casas do parlamento, mas tem o direito também de apresentar suas reclamações ou observações perante o público, por meio de uma imprensa aberta [open press]: um direito formidável esse, para aqueles que regem a humanidade; e o qual, continuamente desfazendo a nuvem de majestade pelos quais estão envolvidos, os traz para o mesmo nível do resto do povo, e os atinge no próprio ser de sua autoridade

"Liberty of Press", o título do capítulo em que se insere esta reflexão sobre o poder censor não deixa dúvidas: o órgão censor da função censora deixada ao encargo da esfera pública é a imprensa. A seguir, De Lolme traçará um histórico dos confrontos entre a liberdade de imprensa e a censura estatal, que é também um histórico de como a liberdade imprensa tomou para si a função censora. Não se trata, porém, de uma abordagem isolada. No século XVIII, censura e crítica eram tomados muitas vezes como sinônimos: "Crítica se aplica às obras literárias; censura às obras teológicas, ou às proposições de doutrina, ou aos costumes" - ligação visível até hoje em parte do vocabulário da crítica literária, como no termo "resenha", que vem, a partir da forma antiga recensão, do latino recensio: re-censear. Ainda no século XIX, Karl Marx dirá, retomando o mote expresso por De Lolme: "A verdadeira censura, baseada na própria essência da liberdade de imprensa, é a crítica (...) A censura é a crítica como monopólio do governo". O exercício da censura pelo Estado equivaleria à sua liberdade de imprensa, e, por isso, esta "liberdade de imprensa,  a do lado oficial, e a própria censura também necessitam censura. E quem é o censor da imprensa do governo, exceto a imprensa do povo?". Em jogo nesse texto do jovem Marx jornalista, não está a luta contra a censura, mas a luta pela censura. Está em jogo ser o órgão controlador dos discursos e das imagens, dos costumes e da virtude. No mesmo sentido, Max Weber, ao falar da "Sociologia da Imprensa", elencará, em pleno século XX, a opinião de alguns publicistas de que "no Estado do futuro a incumbência da imprensa seria precisamente trazer à luz pública aqueles assuntos que não possam ser submetido aos tribunais de justiça; sua incumbência seria a de assumir o antigo papel de censor". A reivindicação da imprensa de ser o "Quarto poder" (que ameaça tornar-se, hoje, nas palavras de Oscar Wilde, "realmente o único poder", pois "Devorou os outros três"), a reivindicação da imprensa de exercer um poder moderador e fiscalizador, um poder que se exerce não pelas leis e sentenças, mas na ausência delas, é, nesse sentido, uma reivindicação da função censória.

O Estado-público e a imprensa-privada disputam o poder censório. Se a horizontalidade possibilitada pela internet parece oferecer uma linha de fuga a essa disputa, não devemos nos iludir: mesmo na rede, o pensamento continua privado, individualizado, identificável. A separação entre pensamento e ação é o que possibilita a dialética de privatização e estatização daquele, e torna a censura necessária. Talvez precisemos superar essa dialética, e buscar pensar o pensamento não como um bem privado, comercial, ou como uma conduta pública, estatal, e sim como uma experiência comum.


Sopro 51

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Com uma excepcional colaboração de Eduardo Viveiros de Castro (@nemoid321 no twitter), intitulada Desenvolvimento econômico e reenvolvimento cosmopolítico:
da necessidade extensiva à suficiência intensiva
, o novo número do Sopro está no ar.

O 51o número de nosso panfleto traz também mais duas das Notas para a reconstrução de um mundo perdido, escritas por Flávio de Carvalho, e que estamos republicando seriadamente. São elas:

IV: Os Cesares do Império Vermelho
V: As forças fundamentais do Destino Histórico

Pra não perder o costume, recomendo a visualização do Sopro 51 em .PDF.


Sopro 50

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E chegamos ao Sopro 50! Nesse número, resenho o livro La comunidad de los espectros. I. Antropotecnia, do filósofo argentino Fabián Ludueña Romandini. Pra quem se interessa por bio(zoo)política, pela relação homem-animal, pelas raízes cristãs do atual descalabro ambiental, e pela importância das imagens na liturgia política ocidental, a leitura do livro de Ludueña é indispensável; a resenha que escrevi, apesar de longa, não dá conta da riqueza crítica, da agudeza e da disposição para o debate contidos na obra e no pensamento do seu autor. Estamos preparando a tradução do livro para publicar em 2012 pela editora Cultura e Barbárie. Para quem se interessar e não quiser esperar, é possível comprar o livro online, no site da Mino y Dávila editores. Seguindo a minha resenha, publicamos uma bela resposta de Ludueña a ela, que é, acima de tudo, uma carta aberta ao diálogo com os leitores do Sopro, e com o público brasileiro em geral.

Em tempo: o Sopro já publicou uma resenha de outro livro de Ludueña, Homo oeconomicus. Além disso, cabe ressaltar (o que já fiz na resenha), a proximidade do pensamento do filósofo argentino com o de Emanuele Coccia, seu maior interlocutor. De Coccia, o Sopro publicou um verbete, Caráter, e, sobre ele, a resenha de seu livro A vida sensível, livro publicado pela primeira vez em português, pela editora Cultura e Barbárie.

A renovação em curso do pensamento, ainda que abafada pelas repetições acríticas de conceitos de Agamben, Nancy, Negri, Sloterdijk, etc., que Ludueña, Coccia e toda uma nova geração de filósofos está levando a cabo, não é, em bom português, pouca coisa. Não se trata mais de acabar com a metafísica, projeto antigo e destinado ao fracasso, mas, ao contrario, reabilitá-la para compreender e ajudar a nos livrar, enfim, deste fantasma chamado de teologia, ou filosofia messiânica, que ainda hoje (talvez mais do que nunca) nos assola com suas ilusões salvacionistas. Para citar Araripe Jr.: "são de pedra os monstros, que fazem esgares das torres da velha cathedral e não obstante assustam os desprecavidos que ali penetram". Ainda somos esse desprecavidos. Mas, talvez, não por muito tempo.


Sopro 49

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O Sopro 49 está no ar. Além de Notas sobre o local, texto do TIQQUN, traduzido por Vinícius Honesko, do Flanagens (onde a tradução foi publicada originalmente), a edição traz as três primeiras Notas para a reconstrução de um mundo perdido, de Flávio de Carvalho. Todas as 65 Notas serão (re)publicadas de forma seriada no Sopro (aqui a página especial onde ficará o índice delas).

Como sempre, recomendo visualizar o Sopro 49 no formato .PDF


Sopro 48 e 47

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Um bocado atrasado, o Sopro 48 está no ar, com um belíssimo texto de Agamben sobre os "problemas espirituais" e o verbete Antropofagia, escrito por Alfred Jarry em 1902. A tradução do primeiro foi feita por Pedro Paixão, artista e pesquisador português (e também blogueiro); enquanto a do verbete de Jarry ficou por conta do Marcelo "Incinerrante"

Como sempre, recomendo a leitura no formato .PDF

E já que não fiz propaganda do Sopro 47 no blog, aqui vai: o número traz, na seção Arquivo, o Diário de Terror (esboços para uma teoria da danação), de Lúcio Costa, escrito em 1952; e o verbete Pesquisador, de Raúl Antelo. Aqui o link para visualizar em .PDF.

Por fim, autojabás: faz algum tempo é possível visualizar os vídeos de dois ótimos eventos organizados por alunos de Direito da UFSC ano passado - Direito e Literatura, e Direito e Ditadura. Aqui é possível visualizar os vídeos com as falas do primeiro; e aqui a mesa do segundo na qual participei.


Sopro 46 e links

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O Sopro 46 está no ar com 20 Aforismos de Franz Kafka na tradução pioneira (a primeira mundial) feita por Otto Maria Carpeaux em 1943. Entre eles, há preciosidades como "Existe conhecimento do diabólico, mas não existe fé nele; pois não existe mais diabólico do que existe" e "É só por nossa noção de tempo que falamos de Juízo Final; na verdade, é um permanente tribunal de emergência". Além disso, seguindo os aforismos, republicamos também o texto Meus encontros com Kafka, de autoria de Carpeaux. As imagens que ilustram o número são da série "Ruínas de Detroit", de Yves Marchand e Romain Meffre.

Clique aqui para acessar o Sopro 46 em PDF (recomendado)

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Dois sites bacanas para download de livros gringos: V£R$O e Monoskop/log - esse tem até uma seção chamada Wishlist, em que v. pode "encomendar" livros; o curioso é que o site, que disponibiliza basicamente livros de "esquerda" e relacionados ao compartilhamento de informações, recebeu pouquíssimas reclamações de editoras.

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O blog que eu tenho mais gostado de ler nesses tempos em que a credulidade petista de boa parte da blogosfera beira os limites do absurdo (com a defesa de Belo Monte; a alegação de haver interesses escusos de intelectuais contra a nomeação de Emir Sader na presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa; a idéia de que, no governo Dilma, veremos avanços como o casamento gay, legalização do aborto e julgamento de militares da Ditadura - os três juntos) é O Ingovernável, de Moysés Pinto Neto. Bruno Cava, um petista não-crédulo, também tem feito ótimas análises no seu Quadrado dos Loucos. Por fim, na área de cinema, vale a pena visitar o incinerrante.com, tocado por Marcelo Ribeiro.

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Sobre as contestações à nomeação de Emir Sader, recomendo a leitura deste texto de Ronald Polito. Sader tem dito no twitter que há uma orquestração da "velha mídia" contra ele, e que ele jamais defendeu o fuZilamento de dissidentes cubanos em 2003. Bem, talvez ele não tenha exatamente defendido, mas com certeza justificou o fuZilamento, como prova esse texto que Sader escreveu para a "nova mídia".

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Por fim, aproveitando as confusão generalizada que tomou conta mais uma vez dos clubes brasileiros, devido à comercialização dos direitos de transmissão do Campeoanto Brasileiro (a Globo, ameaçada de perder seu monopólio, e com apoio da CBF, conseguiu rachar o Clube dos 13), vale a pena ler esses textos escritos uns 50 anos atrás - qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência.


Parece que foi ontem, mas já se vão quase 10 anos desde que eu, um jovem estudante de Direito, sem muita vergonha na cara, decidi escrever um email a Augusto de Campos, que hoje completa 80. Sem demora, ele me respondeu, em uma longa e atenciosa mensagem. Não contente, escrevi a ele novamente pra relatar uma discussão que eu tivera com um amigo sobre cultura nacional! À época, eu era um cabeça quadrada apaixonado pela idéia de poesia de exportação e comprava tudo que os Concretos haviam dito de si nos anos 1950 e 1960, aquela espécie de nacional-cosmopolitismo que eles pregavam e praticavam. Eu havia tomado contado com o plano-piloto para poesia concreta no final do ensino médio, através de um professor de literatura (a quem dediquei minha dissertação de mestrado), que possuía um peculiar método de dar aula: tirando uma ou outra aula "padrão", em geral, ele dava a nós alunos um texto literário pra ler (Baudelaire, Cruz e Sousa, Voltaire, etc.) e pedia que comentássemos por escrito o texto - e o comentário não era avaliado, bastava fazê-lo. O plano-piloto me marcou. Quando ingressei no curso de graduação em Direito, o primeiro livro que peguei emprestado na biblioteca da universidade foi o poesia, antipoesia, antropofagia, do Augusto de Campos. Ali, me deparei com o texto "Revistas re-vistas", sobre a Revista de Antropofagia (o texto está incluído na versão facsimilar da mais grandiosa de nossas revistas político-culturais - e é preciso lembrar que os Concretos foram essenciais no resgate de Oswald de Andrade a partir dos anos 1950 - de 1930 até então, o antropófago era, quando muito, uma figura menor no panteão literário-cultural), e com duas idéias que não me abandonaram até hoje: 1) a de que a Antropofagia era a única filosofia brasileira original e; 2) a de que a Antropofagia produzira também um "Direito Antropofágico": a "teoria da posse contra a propriedade".  Augusto de Campos já tinha seu site no UOL (e muitos de seus trabalhos já estavam disponíveis no UBUWeb), onde, creio, consegui seu endereço de email para escrever-lhe revelando toda minha admiração e a inspiração que as duas idéias me davam, etc. e tal. O carinho e a vitalidade de sua resposta foram fundamentais para que elas jamais morressem em mim. Meu primeiro trabalho universitário foi justamente uma tentativa de descrever as bases do que seria o sistema filosófico da Antropofagia - o trabalho era uma merda, sem dúvida, mas era, também sem dúvida, uma merda superior a dos outros colegas, ainda que, em um gesto revelador da tacanhez acadêmica, o professor da disciplina (Introdução à Filosofia), que se gabava de não ensinar história da filosofia, e de querer ensinar os alunos a pensarem, me conferiu uma das notas mais baixas (anos depois, um outro professor de filosofia me confidenciou que teve de abandonar sua idéia inicial de dissertação em uma universidade paulista, que seria sobre a filosofia de Oswald de Andrade, por recomendação do orientador, que lhe disse que Antropofagia não era filosofia). A idéia do Direito Antropofágico, por sua vez, acabou sendo o tema da minha dissertação de mestrado, que, inicialmente, seria na área de Direito, projeto que eu acabei abandonando, já que, meu orientador à época, após ler o projeto, no qual a expressão "Direito Antropofágico" comparecia pelo menos trinta vezes, me disse estar muito entusiasmado com a idéia desse tal "Direito Antropológico" - outra variante, mais perversa, da mesma história:ao presenciar a apresentação que fiz de uma versão preliminar do que seria o projeto da dissertação durante um evento, um hoje professor de Direito da UFSC disse não passar de "masturbação intelectual". Ali estava claro pra mim que não havia volta no divórcio entre humanidades, letras e cultura bacharelesca, de cujo casamento Augusto e Haroldo de Campos são provavelmente os últimos filhos legítimos, em uma árvore genealógica que abarca uma vasta gama de nossos escritores e intelectuais, os antropófagos incluídos. Seja como for, na dissertação eu já abandonara minha filiação irrestrita às idéias de Augusto de Campos - e eu até mesmo tentava desfazer a idéia de que a Antropofagia seria a "única filosofia brasileira original", ou melhor, eu tentava (e ainda tento) refazê-la: a Antropofagia não é uma filosofia brasileira, nem uma filosofia original, e talvez nem mesmo seja uma filosofia - antes, ela é uma prática, intuitivamente apreendida do canibalismo ameríndio, em que o próprio valor do Um, do Ser, da identidade, da propriedade (respectivamente: única, filosofia, original, brasileira) é posto em xeque, em nome de uma outra forma de relação, regida pela predação, pela devoração. Mas sem aquela breve troca de emails com Augusto de Campos, da qual ele provavelmente nem se lembra, eu nunca teria conseguido entender o sentido profundo daquela Mensagem ao Antropófago desconhecido de Oswald de Andrade: "Nada existe fora da Devoração. O ser é a Devoração pura e eterna". Foi ele que me ensinou o que é ser um antropófago, e me fez entender que a melhor forma de honrar alguém é devorá-lo. Nos meus trabalhos sobre Antropofagia, tento sempre deglutir a visão que Augusto de Campos tem de Oswald e da Antropofagia - mas isso quer dizer, também, que esta visão e, portanto, o seu portador vivem irremediavelmente dentro de mim.


Sopro 45

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"Os governos nos consideram terroristas em potencial" - em uma frase lapidar, Agamben resume as graves conseqüências da assunção da Segurança como paradigma dos governos, em entrevista concedida a Andrea Cortellessa e publicada originalmente no La Stampa em 27 de novembro de 2007 (clique aqui para ler a entrevista em italiano). O pano de fundo da entrevista foi um pacote emergencial de medidas de segurança proposto pelo governo italiano após um crime atribuído a um morador de um Campo Rom. No final de 2010, outro pacote governamental de segurança foi apresentado na Itália, reforçando as medidas de 2007. Nesse sentido, a entrevista continua, além de profunda, topicamente atual, o que motivou Fabio Milazzo a republicá-la recentemente no site hæcceit@s web, precedida de um breve comentário. O Sopro 45 traz, em tradução de Elysa Tomazi, a entrevista de Agamben, bem como o comentário de Milazzo. As belas imagens que acompanham os textos são fotografias tiradas por Gianluca de Angelis (www.gluca.info) no Campo Rom de Pietralata, em Roma.

No novo número do Sopro, há também O Herói Anti-Herói e o Anti-Herói Anônimo, texto de Hélio Oiticica (de 1968) sobre Cara de Cavalo e Alcir Figueira da Silva.

Recomendo - mais do que nunca para essa edição - a visualização em formato .pdf.


Sopro 44

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O Sopro 44 está no ar com O planeta doente, texto de 1971 de Guy Debord. A tradução, de Emiliano Aquino foi publicada originalmente aqui. O texto de Debord continua mais atual do que nunca, na medida em que vincula a grave crise ecológica (que começou século passado e não para de crescer) ao modo de produção capitalista, de maneira que a revolução se torna um imperativo de sobrevivência. Até hoje, nenhum dos dois lados (cores) da moeda, o vermelho ou o verde, entendeu perfeitamente o recado: os comunistas ou social-democratas são incapazes de investir politicamente na questão ecológica, insistindo que, em primeiro lugar, vem a distribuição de renda (ou, discursivamente, a luta de classes); e os verdes ainda insistem que a crise ecológica pode ser contornada sem alterar substancialmente os modos de produção. A bem da verdade, ambos os lados deixam de lado a necessidade de alterar radicalmente os modos de produção - algo que a crise ecológica planetária, a doença que acomete o planeta, deixa evidente ser necessário. Se a saída que Debord aponta (os Conselhos de Trabalhadores comandando toda a produção) não necessariamente garante a resolução do problema (quem garante que os "soviets de marinheiros" controlarão melhor a poluição marítima?), persiste a necessidade de pensar uma política que articule o vermelho e o verde, ou melhor, que os torne indiserníveis. A mensagem de Debord continua mais atual do que nunca.

emestadodememoria.jpgTambém no Sopro 44, um fragmento inédito de Em estado de memória, livro de Tununa Mercado traduzido por Idelber Avelar e que está para ser lançado por esses dias. Publicamos um excerto do capítulo "A espécie furtiva", e o Idelber já havia publicado, em seu blog, o capítulo Um corpo de pobre. A quebra na seqüência temporal da vida que uma ditadura impõe a todos aqueles que força a se exilarem é o/a Stimmung do romance. Tununa, ou a narradora, se coloca em "estado de memória", em uma espécie de estado de emergência temporal, digamos.


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"Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado
em todas as línguas"

Alexandre Nodari

é doutorando em Teoria Literária (no CPGL/UFSC), sob a orientação de Raúl Antelo; bolsista do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre o conceito de censura.
Editor do
SOPRO.

Currículo Lattes







Alguns textos

"a posse contra a propriedade" (dissertação de mestrado)

O pensamento do fim
(Em: O comum e a experiência da linguagem)

O perjúrio absoluto
(Sobre a universalidade da Antropofagia)

"o Brasil é um grilo de seis milhões de quilômetros talhado em Tordesilhas":
notas sobre o Direito Antropofágico

A censura já não precisa mais de si mesma:
entrevista ao jornal literário urtiga!

Grilar o improfanável:
o estado de exceção e a poética antropofágica

"Modernismo obnubilado:
Araripe Jr. precursor da Antropofagia

O que as datilógrafas liam enquanto seus escrivães escreviam
a História da Filha do Rei, de Oswald de Andrade

Um antropófago em Hollywood:
Oswald espectador de Valentino

Bartleby e a paixão da apatia

O que é um bandido?
(Sobre o plebiscito do desarmamento)

A alegria da decepção
(Resenha de A prova dos nove)

...nada é acidental
(Resenha de quando todos os acidentes acontecem)

Entrevista com Raúl Antelo


Work-in-progress

O que é o terror?

A invenção do inimigo:
terrorismo e democracia

Censura, um paradigma

Perjúrio: o seqüestro dos significantes na teoria da ação comunicativa

Para além dos direitos autorais

Arte, política e censura

Censura, arte e política

Catão e Platão:
poetas, filósofos, censores






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