Leonardo D'Ávila: junho 2009 Arquivo

Em seu blog, o colunista da Veja Reinaldo Azevedo diz publicamente que defende o golpe em Honduras e que o verdadeiro golpe fera a política de Zelaya. Como está no blog "A Torre de Marfim" eu também digo que não sabia nada sobre Honduras ou sobre o presidente. No entanto, o mínimo para um liberal e democrata decente seria defender que, caso a Suprema Corte tenha sido desrespeitada, que um processo de Impeachment se inicie no Congresso do país. Defender a deposição de um presidente por meio de armas é algo impensável de ser apoiado.

 Agora acho que vou começar a falar da Veja e do Estadão (que publicou notícias bem tendenciosas) segundo a nomenclatura proposta pelo Pauo Henrique Amorim, ou seja, esses atuantes da mídia são o PIG (Partido da Imprensa Golpista). Ainda mais que meu blog teve recentemente várias alusões a porcos. Antes que eu me esqueça aqui vai uns trechos do Azevedo:

Quem é mesmo o golpista em Honduras? POR ENQUANTO, Forças Armadas garantem Constituição democrática

domingo, 28 de junho de 2009 | 16:52

(leia primeiro o post abaixo)
Quem é golpista em Honduras? Os militares? Por enquanto, não! Por enquanto, eles estão cumprindo sua função constitucional. Constatar o que digo é fácil: basta saber ler. Manuel Zelaya, presidente que foi levado à Costa Rica pelos militares, é um palhaço chavista, teleguiado por Caracas. Tentou reproduzir em Honduras o modelo de instalação de ditaduras posto em prática na Venezuela, na Bolívia e no Equador. O Beiçola de Caracas lidera uma fila de delinqüentes que decidem recorrer à democracia para implementar regimes de força.

Zelaya queria fazer um referendo que foi declarado ilegal pelo Congresso, pela Promotoria e pelo Poder Judiciário. Nada menos. No seu próprio partido, o apoio não foi unânime. Deu ordens aos militares consideradas inconstitucionais pela Justiça. Nesses casos, fazer o quê? Boa questão, não é mesmo? É preciso chamar a democracia de uniforme se todo o resto vai para  o brejo.


CHAMAR A DEMOCRACIA PELO UNIFORME!!!! Vejam a que ponto o PIG chegou.

O BRASIL NUNCA TEVE UMA DIREITA DECENTE. Talvez tenhamos tido alguns conservadores (penso no Centro Dom Vidal, uns retrógrados em um país de miseráveis, mas inteligentes sem dúvida) que de forma alguma era idiotas, mas Liberais mesmo está difícil de achar.

Se algum leitor tiver uma sugestão fico grato em receber.

por Jean-Luc Nancy
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Tradução de Leonardo D'Avila de Oliveira


Essa aproximação me foi proposta quando Mustapha Chérif tomou a iniciativa deste encontro[1]. A independência da Argélia foi contemporânea àquela de Jacques Derrida no sentido de que é nesse mesmo momento - 1962, tratado de Évian, Origem da Geometria - que ele assume de maneira pública sua autonomia filosófica.

Tal coincidência vai muito além dessa coincidência mais evidente.

Ela une dois elementos que, no que diz respeito às espécies da política e da filosofia - esta dupla espécie de um mesmo gênero que é aquele da aventura mediterrânea; em outras palavras e para simplificar, aquele da Razão -, marca uma virada. Não somente a eles, mas entre outros de maneira exemplar.

A virada é aquela - para dizer nos termos de Derrida - de uma deiscência* da presença a si. A independência do pensamento de Derrida foi e tem por marca conceitual esta abertura, "a impossibilidade de sossegar na permanência simples de um presente vivente", presente que se descobre, ao contrário, "sempre outro na sua identidade consigo mesmo" e "se dyferindo sem interrupção".**

A independência da Argélia, exemplar sobre esta questão entre todas as independências travadas então há quarenta anos (como foi no Egito) com os "impérios" europeus, foi a independência de um país cuja autonomia sempre foi múltipla e cuja identidade fora feita particularmente conforme o estatuto de território francês e conseqüentemente em uma diferença a si que a distinguia e a distingue ainda de seus vizinhos magrebes - mas dupla diferença a si, já que diferença intrafrancesa e intra-africana por sua vez cortada pela diferença entre indigenia e cidadania. (Certamente se deveria voltar ainda mais ao passado, à época da dominação turca, mas não é aqui o lugar para isso).

Na independência da Argélia estava em jogo menos uma restitutio ad integrum ou uma refundação de uma origem do que a invenção de uma "origem" ainda por vir, em dyferença, simbolicamente exemplar, portanto, na medida que ela se destacasse de uma suposta incorporação a uma "pátria" (ou de um enxerto?) para se inventar como "nação" sobre um modo e sobre um modelo oriundo da tradição da Europa, mas a partir dos quais devia se encontrar, mais do que reencontrar, uma identidade.    

Ora, é na mesma época que se delineia pela Europa e além dela os primeiros sinais de uma desestabilização de certas certezas políticas - logo seria 68 - tanto do lado da identidade dos Estados-nação como do lado das identidades internacionais, ou da identidade da "Internacional". Os dois pólos de uma tensão que havia atravessado o meio século precedente - tensão de onde provinham as independências -, os pólos do Estado soberano (isto é, independente e autônomo) e do socialismo que tendia a abolir o Estado e com ele toda separação do "político", viam-se começando a deixar as suas respectivas certezas.

Em política também, ou melhor como política, a "presença a si" vinha a compreender-se como não mais podendo "se fechar na indivisão inocente do Absoluto originário" (a soberania não é ela um absoluto originário?) e devendo, em troca, "aprender que ela seria sempre por vir" (eu continuo a citar a conclusão da Origem da Geometria).

O imperativo de independência - filosófico ou político (pois a independência é sempre também um imperativo do exercício filosófico, da vida filosófica, seria fácil mostrá-lo) - passava a conhecer ele mesmo uma virada. Ele não podia mais ser aquele que Descartes responde no intuito de edificar "sobre um chão que fosse tudo para mim" (fórmula notavelmente político-filosófica do Discurso) e, portanto, colocava em questão todas as formas de autofundação, de autodeterminação (esta palavra tão importante, tão necessária nos anos 50, tanto que foi colocada - em 1951 - na Carta das Nações Unidas).

Houve então neste momento da virada uma coexistência complexa e delicada entre dois regimes, tanto filosófico como político, que se pode dizer de um lado o regime da autonomia em geral e de outra parte o regime, certamente não de uma heteronomia (oposição simples, erguido principalmente de um kantismo do mais ordinário, e ainda assim típico do gênero de objetos visados pela desconstrução) - mas uma "alteronomia", para fazer uma palavra à la Derrida e em latim-grego. Isso significa uma independência ou um absoluto que todavia não se compreende nem se vive sem que haja um corte promovido pelo outro.   

Durante muito tempo, esta coexistência contraditória sem perspectiva de superação hegeliana - abrindo para todos os lados, em política e em filosofia, um questionamento desse (suposto) modelo dialético - colocou os intelectuais em situação difícil. Não se podia mais invocar tão simplesmente o "sentido" único e identitário de uma "história" nem de seu "sujeito" nem de seu "fim". Dever-se-ia satisfazer duas exigências ao sujeito da identidade (e da unidade, da ipseidade, etc): sua afirmação e sua dyferença. De uma fórmula mais ajustada: a afirmação incondicional de uma dyferença da própria afirmação e da auto-afirmação.

Uma fórmula desse tipo, que eu creio suficientemente fiel à disposição profunda de Derrida, tanto filosófica quanto política, não era facilmente aceitável em um contexto político e sobretudo moral em que os valores e os imperativos da autodeterminação atuavam como personagens principais e de forma legítima, mesmo que a complexificação do mundo começasse já a empregar de forma visível um deslocamento de todos os horizontes recebidos (penso no marxismo como "horizonte inultrapassável de nosso tempo" para Sartre - precisamente trocava-se de concepção tempo -, bem como o nacionalismo, outro horizonte curiosamente associado, se a ocasião se apresentar, àquele do internacionalismo). Em suma, não havia mais nada de inultrapassável, mas tampouco de evidência de uma (auto)superação geral.

Neste contexto, a história da Argélia até hoje - em meio ao destino geral das "pós-colonizações" e do destino conjunto das rupturas e deslocamentos de grandes equilíbrios mundiais (a mundialização é um remodelamento do mundo com cancelamento correlativo de horizontes - horizonte, noção husserliana, é aquilo contra o que Derrida sempre pensou em benefício de um além-do-horizonte, fosse ele o próprio impossível) - neste contexto em que se comprimiam muitos imperativos identitários (tanto identidades de "povos" como identidades de "revoluções", de "lutas" ou de "classes", tanto identidades de "saberes" quanto de "gerações", todas identidades supostamente asseguradas - outra palavra que Derrida gostava de estremecer). Neste contexto, então, Jacques Derrida foi por muito tempo suspeito ou acentuadamente acusado (Antes e sobretudo na América) de indiferença política, de desengajamento.

Deve-se, ao contrário, afirmar que, longe de se retirar prudentemente - no sentido banal e indeciso do termo - do engajamento político, Derrida percebia com sutileza e prudência no sentido forte do termo (justamente phronésis ou prudentia, isto é, a virtude que se impõe à justiça sob todas as suas formas: à justiça indesconstrutível) a necessidade de deslocar o engajamento em relação às sujeições que se tornaram canônicas, isto é, às sujeições identitárias.

Não havia tanto um retrato do engajamento político senão uma consideração do que Lacoue-Labarthe e eu mesmo nomeamos como a "retirada do político" (na formulação de um Centro de estudos sobre o político proposto a nós por Derrida na Escola Normal Superior) - através da qual nós queríamos designar que a autoconstituição e a autonomia de princípio do político, sua essência metafísica como presença-a-si do "comum", entravam em pane, ou se mostravam deserdadas, a partir do momento em que todo princípio de autosuficiência fosse colocado em crise, não a partir de uma decisão filosófica abstrata (uma rejeição do sujeito, como alguns diziam), mas em virtude de uma virada efetiva e prática da história - desta virada que me agrada hoje emblematizar pela data de 1962 na medida em que é uma data política e filosófica.

Nessa virada, a essência moderna do político - a autosuficiência soberana - deveria se confrontar com a "impossibilidade de uma origem una e absolutamente absoluta do Fato e do Direito, do Ser e do Sentido" (está sempre na Origem). Disto resulta a saída de um certo "automatismo" político, mas uma saída como um recurso enquanto desvio e também alternativa, que abre sobre um avanço possível, relacionado ao que Derrida nomeia em Politique de l'amitié um "passo além do político"[2] debruçando-se novamente sobre um jogo de linguagem encontrado por Blanchot e que cuja tão longa análise não posso retomar aqui.  

O que estava em jogo em 1962 era uma ruptura geral das autosuficiências, das origens e suas garantias. Em razão disso também era uma ruptura do próprio político, da identidade do conceito de "político", o qual se entende para além de um modelo de fundação autóctone, ou um modelo de autocontratualidade de sujeitos autoconstituídos ou ainda um modelo de soberania. Esta ruptura somente poderia acompanhar aquela que se abria no pensamento da identidade presente a si e originária de si, tanto que a identidade da própria "filosofia" estava posta à prova.  Penso que hoje, quase meio século após 1962, que nós estamos em melhores condições de compreender o que está em jogo nesta virada. Independentemente das histórias particulares e da República da Argélia e de Jacques Derrida, nós sabemos hoje mais do que nós gostaríamos de saber a que ponto são desastrosas as afirmações identitárias cuja garantia esmaga não somente as diferenças exteriores, mas também esta dyferença interna que sozinha abre uma identidade a "ela mesma", isto é, a seu "por vir" no sentido que Derrida quer entender este termo.

Derrida foi muito cuidadoso em produzir uma "filosofia política" que teria buscado fundar uma política cada vez mais assentada em um pensamento novo. Pois este novo pensamento - seu, mas consigo todo um movimento da época, desta época de tomada de independências -, este pensamento deslocava o motivo mesmo do "fundamento" de uma política, e com ele o próprio conceito de "político".

Por outro lado, Derrida praticou uma política da filosofia no sentido de um conjunto de estratégias e de manobras destinadas a não deixar a filosofia se identificar novamente como uma "filosofia", uma "visão de mundo" a mais. Não mais "visão de mundo", nem de "pre-visão", através do olho de um sujeito-mestre a fim de expor o ainda não visível de um mundo capaz de merecer de uma outra maneira, fora de visões e de concepções, o nome de "mundo". Um mundo "por vir", para retomar ainda uma vez este schibboleth derridiano: por vir - não futuro, nem antecipável, nem programável, mas um mundo no qual o vir ou a vinda seja a própria estrutura e natureza.

Isso quer dizer também um mundo e uma palavra - a palavra "mundo" - cujo sentido não é dado, da mesma forma que não é dado o das palavras "cidade", "política", "comunidade" ou "filosofia". Um sentido anterior ou a partir do sentido, o que ele nomeava "disseminado", uma reserva de sentido ou de voz anterior ao signo, e que repousa neste "poço noturno" que ele toma emprestado de Hegel, "este poço de noite silencioso como a morte e que ressoa de todas as potências de voz que ele tem em reserva" - como ele o diz neste texto de 1968[3], outro ano de uma outra virada -, este poço onde ele se esgota da mesma forma em que coloca para si a possibilidade de um sentido "por vir".***

El Biar, onde iremos amanhã, isto quer dizer ou terá querido dizer: "o poço" e mais exatamente "os poços" - mais de um poço, mais de uma origem, mais de uma independência, mais que uma independência...  

       


Publicado no periódico SOPRO n. 10


[1] Em Argel, nos dias 25 e 26 de novembro de 2006, "Sobre as pegadas de Jacques Derrida". Cités 30, Paris, PUF, 2007.

*Nota do tradutor: foi mantida a mesma opção de Nancy pelo termo déhiscence, palavra pouco usual mesmo em francês. Trata-se 1) da abertura espontânea de vegetais ou derivados para expelir material ou 2) da abertura cirúrgica proposital para separar planos anatômicos unidos por uma cirurgia ou curativo de forma que se libere material.

** Nota do tradutor: dyferindo. Esta decisão de tradução do termo derridiano différance já foi proposta por Jair Tadeu da Fonseca a partir de um estudo sobre a neografia de Glauber Rocha. Rodrigo Lopes de Barros Oliveira, em sua dissertação intitulada "Derrida com Makumba: o dom o tabaco e a magia" também trabalha com essa possibilidade.

[2] 1. p. 144.

[3] Le puits et la pyramide.                                   

*** Nota do Tradutor: texto original de Nancy do último período traduzido: "ce puits où s'épuise autant qu'elle s'y puis la possibilité d'un sens « à venir »."