Em seu blog, o colunista da Veja Reinaldo Azevedo diz publicamente que defende o golpe em Honduras e que o verdadeiro golpe fera a política de Zelaya. Como está no blog "A Torre de Marfim" eu também digo que não sabia nada sobre Honduras ou sobre o presidente. No entanto, o mínimo para um liberal e democrata decente seria defender que, caso a Suprema Corte tenha sido desrespeitada, que um processo de Impeachment se inicie no Congresso do país. Defender a deposição de um presidente por meio de armas é algo impensável de ser apoiado.
Agora acho que vou começar a falar da Veja e do Estadão (que publicou notícias bem tendenciosas) segundo a nomenclatura proposta pelo Pauo Henrique Amorim, ou seja, esses atuantes da mídia são o PIG (Partido da Imprensa Golpista). Ainda mais que meu blog teve recentemente várias alusões a porcos. Antes que eu me esqueça aqui vai uns trechos do Azevedo:
(leia primeiro o
post abaixo) Quem é golpista em Honduras? Os militares? Por
enquanto, não! Por enquanto, eles estão cumprindo sua função constitucional.
Constatar o que digo é fácil: basta saber ler. Manuel Zelaya, presidente que foi
levado à Costa Rica pelos militares, é um palhaço chavista, teleguiado por
Caracas. Tentou reproduzir em Honduras o modelo de instalação de ditaduras posto
em prática na Venezuela, na Bolívia e no Equador. O Beiçola de Caracas lidera
uma fila de delinqüentes que decidem recorrer à democracia para implementar
regimes de força.
Zelaya queria fazer um referendo que foi
declarado ilegal pelo Congresso, pela Promotoria e pelo Poder Judiciário. Nada
menos. No seu próprio partido, o apoio não foi unânime. Deu ordens aos militares
consideradas inconstitucionais pela Justiça. Nesses casos, fazer o quê? Boa
questão, não é mesmo? É preciso chamar a democracia de uniforme se todo o resto
vai para o brejo.
CHAMAR A DEMOCRACIA PELO UNIFORME!!!! Vejam a que ponto o PIG chegou.
O BRASIL NUNCA TEVE UMA DIREITA DECENTE. Talvez tenhamos tido alguns conservadores (penso no Centro Dom Vidal, uns retrógrados em um país de miseráveis, mas inteligentes sem dúvida) que de forma alguma era idiotas, mas Liberais mesmo está difícil de achar.
Se algum leitor tiver uma sugestão fico grato em receber.
Essa
aproximação me foi proposta quando Mustapha Chérif tomou a iniciativa deste
encontro[1]. A
independência da Argélia foi contemporânea àquela de Jacques Derrida no sentido
de que é nesse mesmo momento - 1962, tratado de Évian, Origem da Geometria - que ele assume de maneira pública sua
autonomia filosófica.
Tal
coincidência vai muito além dessa coincidência mais evidente.
Ela une dois
elementos que, no que diz respeito às espécies da política e da filosofia -
esta dupla espécie de um mesmo gênero que é aquele da aventura mediterrânea; em
outras palavras e para simplificar, aquele da Razão -, marca uma virada. Não
somente a eles, mas entre outros de maneira exemplar.
A virada é
aquela - para dizer nos termos de Derrida - de uma deiscência* da presença a
si. A independência do pensamento de Derrida foi e tem por marca conceitual
esta abertura, "a impossibilidade de sossegar na permanência simples de um
presente vivente", presente que se descobre, ao contrário, "sempre outro na sua
identidade consigo mesmo" e "se dyferindo
sem interrupção".**
A
independência da Argélia, exemplar sobre esta questão entre todas as
independências travadas então há quarenta anos (como foi no Egito) com os
"impérios" europeus, foi a independência de um país cuja autonomia sempre foi
múltipla e cuja identidade fora feita particularmente conforme o estatuto de
território francês e conseqüentemente em uma diferença a si que a distinguia e
a distingue ainda de seus vizinhos magrebes - mas dupla diferença a si, já que diferença
intrafrancesa e intra-africana por sua vez cortada pela diferença entre indigenia
e cidadania. (Certamente se deveria voltar ainda mais ao passado, à época da
dominação turca, mas não é aqui o lugar para isso).
Na
independência da Argélia estava em jogo menos uma restitutio ad integrum ou uma refundação de uma origem do que a
invenção de uma "origem" ainda por vir, em dyferença, simbolicamente exemplar,
portanto, na medida que ela se destacasse de uma suposta incorporação a uma
"pátria" (ou de um enxerto?) para se inventar como "nação" sobre um modo e
sobre um modelo oriundo da tradição da Europa, mas a partir dos quais devia se
encontrar, mais do que reencontrar, uma identidade.
Ora, é na
mesma época que se delineia pela Europa e além dela os primeiros sinais de uma
desestabilização de certas certezas políticas - logo seria 68 - tanto do lado
da identidade dos Estados-nação como do lado das identidades internacionais, ou
da identidade da "Internacional". Os dois pólos de uma tensão que havia
atravessado o meio século precedente - tensão de onde provinham as
independências -, os pólos do Estado soberano (isto é, independente e autônomo)
e do socialismo que tendia a abolir o Estado e com ele toda separação do
"político", viam-se começando a deixar as suas respectivas certezas.
Em política
também, ou melhor como política, a "presença a si" vinha a compreender-se como
não mais podendo "se fechar na indivisão inocente do Absoluto originário" (a
soberania não é ela um absoluto originário?) e devendo, em troca, "aprender que
ela seria sempre por vir" (eu continuo a citar a conclusão da Origem da Geometria).
O imperativo
de independência - filosófico ou político (pois a independência é sempre também um imperativo do exercício
filosófico, da vida filosófica, seria fácil mostrá-lo) - passava a conhecer ele
mesmo uma virada. Ele não podia mais ser aquele que Descartes responde no
intuito de edificar "sobre um chão que fosse tudo para mim" (fórmula
notavelmente político-filosófica do Discurso) e, portanto, colocava em questão todas
as formas de autofundação, de autodeterminação (esta palavra tão importante, tão
necessária nos anos 50, tanto que foi colocada - em 1951 - na Carta das Nações
Unidas).
Houve então
neste momento da virada uma coexistência complexa e delicada entre dois
regimes, tanto filosófico como político, que se pode dizer de um lado o regime
da autonomia em geral e de outra parte o regime, certamente não de uma
heteronomia (oposição simples, erguido principalmente de um kantismo do mais
ordinário, e ainda assim típico do gênero de objetos visados pela
desconstrução) - mas uma "alteronomia", para fazer uma palavra à la Derrida e em latim-grego. Isso significa
uma independência ou um absoluto que todavia não se compreende nem se vive sem que
haja um corte promovido pelo outro.
Durante muito
tempo, esta coexistência contraditória sem perspectiva de superação hegeliana -
abrindo para todos os lados, em política e em filosofia, um questionamento
desse (suposto) modelo dialético - colocou os intelectuais em situação difícil.
Não se podia mais invocar tão simplesmente o "sentido" único e identitário de
uma "história" nem de seu "sujeito" nem de seu "fim". Dever-se-ia satisfazer
duas exigências ao sujeito da identidade (e da unidade, da ipseidade, etc): sua
afirmação e sua dyferença. De uma
fórmula mais ajustada: a afirmação incondicional de uma dyferença da própria afirmação e da auto-afirmação.
Uma fórmula
desse tipo, que eu creio suficientemente fiel à disposição profunda de Derrida,
tanto filosófica quanto política, não era facilmente aceitável em um contexto
político e sobretudo moral em que os valores e os imperativos da
autodeterminação atuavam como personagens principais e de forma legítima, mesmo
que a complexificação do mundo começasse já a empregar de forma visível um
deslocamento de todos os horizontes recebidos (penso no marxismo como
"horizonte inultrapassável de nosso tempo" para Sartre - precisamente
trocava-se de concepção tempo -, bem como o nacionalismo, outro horizonte
curiosamente associado, se a ocasião se apresentar, àquele do
internacionalismo). Em suma, não havia mais nada de inultrapassável, mas
tampouco de evidência de uma (auto)superação geral.
Neste
contexto, a história da Argélia até hoje - em meio ao destino geral das "pós-colonizações"
e do destino conjunto das rupturas e deslocamentos de grandes equilíbrios
mundiais (a mundialização é um remodelamento do mundo com cancelamento correlativo
de horizontes - horizonte, noção husserliana, é aquilo contra o que Derrida
sempre pensou em benefício de um além-do-horizonte, fosse ele o próprio
impossível) - neste contexto em que se comprimiam muitos imperativos
identitários (tanto identidades de "povos" como identidades de "revoluções", de
"lutas" ou de "classes", tanto identidades de "saberes" quanto de "gerações",
todas identidades supostamente asseguradas
- outra palavra que Derrida gostava de estremecer). Neste contexto, então,
Jacques Derrida foi por muito tempo suspeito ou acentuadamente acusado (Antes e
sobretudo na América) de indiferença política, de desengajamento.
Deve-se, ao
contrário, afirmar que, longe de se retirar prudentemente - no sentido banal e indeciso
do termo - do engajamento político, Derrida percebia com sutileza e prudência
no sentido forte do termo (justamente phronésis
ou prudentia, isto é, a virtude que
se impõe à justiça sob todas as suas formas: à justiça indesconstrutível) a
necessidade de deslocar o engajamento em relação às sujeições que se tornaram
canônicas, isto é, às sujeições identitárias.
Não havia tanto
um retrato do engajamento político senão uma consideração do que
Lacoue-Labarthe e eu mesmo nomeamos como a "retirada do político" (na
formulação de um Centro de estudos sobre o político proposto a nós por Derrida
na Escola Normal Superior) - através da qual nós queríamos designar que a
autoconstituição e a autonomia de princípio do político, sua essência
metafísica como presença-a-si do "comum", entravam em pane, ou se mostravam
deserdadas, a partir do momento em que todo princípio de autosuficiência fosse
colocado em crise, não a partir de uma decisão filosófica abstrata (uma
rejeição do sujeito, como alguns diziam), mas em virtude de uma virada efetiva e
prática da história - desta virada que me agrada hoje emblematizar pela data de
1962 na medida em que é uma data política e filosófica.
Nessa virada,
a essência moderna do político - a autosuficiência soberana - deveria se
confrontar com a "impossibilidade de uma origem una e absolutamente absoluta do
Fato e do Direito, do Ser e do Sentido" (está sempre na Origem). Disto resulta a
saída de um certo "automatismo" político,
mas uma saída como um recurso enquanto desvio e também alternativa, que abre
sobre um avanço possível, relacionado ao que Derrida nomeia em Politique de l'amitié um "passo além do
político"[2]
debruçando-se novamente sobre um jogo de linguagem encontrado por Blanchot e
que cuja tão longa análise não posso retomar aqui.
O que estava
em jogo em 1962 era uma ruptura geral das autosuficiências, das origens e suas
garantias. Em razão disso também era uma ruptura do próprio político, da
identidade do conceito de "político", o qual se entende para além de um modelo
de fundação autóctone, ou um modelo de autocontratualidade de sujeitos
autoconstituídos ou ainda um modelo de soberania. Esta ruptura somente poderia
acompanhar aquela que se abria no pensamento da identidade presente a si e
originária de si, tanto que a identidade da própria "filosofia" estava posta à
prova.Penso que hoje, quase meio século
após 1962, que nós estamos em melhores condições de compreender o que está em
jogo nesta virada. Independentemente das histórias particulares e da República
da Argélia e de Jacques Derrida, nós sabemos hoje mais do que nós gostaríamos
de saber a que ponto são desastrosas as afirmações identitárias cuja garantia
esmaga não somente as diferenças exteriores, mas também esta dyferença interna que sozinha abre uma
identidade a "ela mesma", isto é, a seu "por vir" no sentido que Derrida quer
entender este termo.
Derrida foi
muito cuidadoso em produzir uma "filosofia política" que teria buscado fundar
uma política cada vez mais assentada em um pensamento novo. Pois este novo
pensamento - seu, mas consigo todo um movimento da época, desta época de tomada
de independências -, este pensamento deslocava o motivo mesmo do "fundamento"
de uma política, e com ele o próprio conceito de "político".
Por outro lado,
Derrida praticou uma política da filosofia no sentido de um conjunto de
estratégias e de manobras destinadas a não deixar a filosofia se identificar
novamente como uma "filosofia", uma "visão de mundo" a mais. Não mais "visão de
mundo", nem de "pre-visão", através do olho de um sujeito-mestre a fim de expor
o ainda não visível de um mundo capaz de merecer de uma outra maneira, fora de
visões e de concepções, o nome de "mundo". Um mundo "por vir", para retomar
ainda uma vez este schibboleth
derridiano: por vir - não futuro, nem antecipável, nem programável, mas um
mundo no qual o vir ou a vinda seja a própria estrutura e natureza.
Isso quer
dizer também um mundo e uma palavra - a palavra "mundo" - cujo sentido não é dado, da mesma forma que não é
dado o das palavras "cidade", "política", "comunidade" ou "filosofia". Um
sentido anterior ou a partir do sentido, o que ele nomeava "disseminado", uma reserva de sentido ou
de voz anterior ao signo, e que repousa neste "poço noturno" que ele toma
emprestado de Hegel, "este poço de noite silencioso como a morte e que ressoa
de todas as potências de voz que ele tem em reserva" - como ele o diz neste
texto de 1968[3], outro
ano de uma outra virada -, este poço onde ele se esgota da mesma forma em que coloca
para si a possibilidade de um sentido "por vir".***
El Biar, onde iremos amanhã, isto quer
dizer ou terá querido dizer: "o poço" e mais exatamente "os poços" - mais de um
poço, mais de uma origem, mais de uma independência, mais que uma
independência...
[1] Em
Argel, nos dias 25 e 26 de novembro de 2006, "Sobre as pegadas de Jacques
Derrida". Cités 30, Paris, PUF, 2007.
*Nota do tradutor: foi
mantida a mesma opção de Nancy pelo termo déhiscence,
palavra pouco usual mesmo em francês. Trata-se 1) da abertura espontânea de
vegetais ou derivados para expelir material ou 2) da abertura cirúrgica
proposital para separar planos anatômicos unidos por uma cirurgia ou curativo
de forma que se libere material.
** Nota do tradutor: dyferindo. Esta decisão de tradução do
termo derridiano différance já foi
proposta por Jair Tadeu da Fonseca a partir de um estudo sobre a neografia de
Glauber Rocha. Rodrigo Lopes de Barros Oliveira, em sua dissertação intitulada
"Derrida com Makumba: o dom o tabaco e a magia" também trabalha com essa
possibilidade.
*** Nota do Tradutor: texto original
de Nancy do último período traduzido: "ce puits où s'épuise autant qu'elle s'y
puis la possibilité d'un sens « à venir »."