Notícias: outubro 2009 Arquivo

LULA E CRISTO

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Sobre a afirmação de Lula de que "Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão", o secretário-geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa rebateu dizendo que Jesus não fez alianças com Fariseus. Disse o bispo que "Para governar o Brasil? Estamos tão mal assim? Queria dizer que, sem dúvida Judas foi discípulo de Cristo, mas Cristo conhece o coração das pessoas e reconhece a liberdade de cada um. Cristo não fez alianças com fariseus. Pelo contrário, teve palavras duras para com eles. Deus conhece o coração das pessoas". Isso foi amplamente divulgado na Folha de São Paulo, ao menos na versão digital. O Senador Cristovam Buarque entrou na onda e falou que "Jesus poderia perdoar Judas, fazer acordo jamais". Trata-se de uma resposta do jornalão a uma entrevista de longa duração concedida por Lula à própria Folha em que se tratou de diversos temas, desde alianças políticas até ironias ao pré-candidato de oposição José Serra.

Obviamente que não acredito que o bispo teria o intuito de querer comparar Lula com Cristo. Se assim o fosse, em primeiro lugar, Dom Dimas teria que aceitar que a divindade que representa Cristo ou não seria restrita a ele ou, pior que isso, seria uma virtude ordinária. Não. Para que se mantenha a coerência católica, Cristo deve ser superior aos mortais. Tudo bem que ele poderia ser um exemplo, e muitas das ações cometidas pelos homens deveriam se espelhar na virtude do líder espiritual, o que, a princípio, não teria sido a opção de Lula quando adere a um excesso de pragmatismo em detrimento de ações de puros fins.

Mas é interessante perceber como se pode inferir do discurso do bispo uma  pretensão de justiça dos fins em contraposição a uma operação dos meios, os quais, se bem se entende, abdicariam de seus ideais fundadores para uma mera manutenção do status quo. Em Crítica da Violência/Crítica do Poder, Walter Benjamin já tratou deste tema sobre o qual diz haver uma violência mítica que põe o direito e uma outra que mantém o direito. Benjamin fala de uma terceira, dita divina, que suspenderia o próprio direito para uma justiça completa de pura finalidade. Esta sim, digna de uma divindade, como o próprio nome diz. Curiosa também é a releitura desconstrutiva que Derrida faz desse texto de Benjamin. Dentro do livro Força de Lei, portanto, o francês fala que as próprias categorias de Benjamin não se sustentam, o que é muito lógico em um autor que fala sobretudo de fantasmas. Para Derrida, enfim, as categorias de violência fundadora e mantenedora chegam a se confundir, o que sugere que a operação do direito seria ao mesmo tempo uma reatualização da origem e, também, uma ameaça a ela.

Mas Derrida não chegou a ler muito bem o constitucionalista alemão Carl Schmitt (grande contribuidor do nazismo) e correspondente de W. Benjamin, como o fez Agamben, para quem a suspensão do direito e das instituições não são nenhuma forma de ameaça, mas apenas lhes dão força. Assim é que o poder organizado somente funciona onde há um preparo ou uma exceção que seja capaz de deixar o social pronto para a organização do direito.

Curiosa é essa busca por uma justiça pura da parte dos neo-moralistas, como Cristovam Buarque, Gabeira, etc, ou seja, a busca de ações de puro fim em contraposição a um sistema corrupto em que somente se governa na abdicação dos ideais fundadores. Nada mais ambíguo do que essa reação moralista de Buarque e da CNBB sobre o que Lula falou. ( e se ele dissesse o contrário, provavelmente o PIG e os neomoralistas diriam que ele se pretenderia messias em vez de homem; que seria sebastianismo, etc) Isto porque quando se procura um modelo de justiça direta, contra a burocracia ou o podre da social-democracia, pensa-se que essa decadência se deve a uma religião sem dogma, e que se deveria propor em contraposição o dogma se religião. Embora pareça bonito, foi esse o debate dos anti-liberais de Weimar. Tudo bem. Provavelmente os que criticaram Lula não descartam a exigência do Estado de Direito, e diriam que nunca propuseram retirar a mediação da religião que é o jogo da política, afinal todos seriam democráticos e crentes no Estado de Direito. Contudo, é aí reside o problema. Benjamin falava de uma justiça dos fins pura que, no entanto, vinha para ser revolucionária e sobretudo anti-teleológica e de forma alguma institucionalista. Portanto uma justiça dos fins que se opera em conjunto com o aparato institucional sem questioná-lo ou tencioná-lo e principalmente sem aceitar as conseqüências de sua própria violência, ou seja, a projeção de uma justiça dos fins legislada ou universalizada é apostar justamente na suspensão oportuna e constante: bem o que funda os velhos e novos estados de exceção e a sua indiscernibilidade da normalidade. 

Resumindo: ainda bem que Lula nem é e nem se considera algum messias, pelo menos enquanto durar seu mandato. Só um golpista deseja a autoridade de um ser de moral inatacável e que, portanto, não negocia nem mesmo com seus traidores (mesmo que sejam Judas eleitos pelo povo). Enfim, se Lula se pensasse como auto-suficiente, como muitos já se pensaram na história do Brasil, e se tal fosse levado ao extremo, não faltariam Judas para 'se auto-enforcar' nas celas das ditabrandas. E depois de vinte anos seus apóstolos não hesitariam em perdoar os 'traidores' dando-lhes anistia. Mas negociar de verdade com eles, não negociariam nunca.



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O traidor da pátria Jornalista Vladimir Herzog foi "encontrado morto" na cela de sua prisão em 1975 (portanto durante a 'ditabranda' de que fala a Folha de São Paulo) depois de ter sido torturado com choques elétricos pelos militares. O Cristovam Buarque está certíssimo: é possível 'perdoá-lo', mas para negociar com ele já é outra história.
Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

GENEBRA - Ele se tornou célebre no mundo ao jogar um sapato a Goerge W. Bush durante uma coletiva de imprensa na última visita do ex-presidente americano a Bagdá. Foi preso e torturado. Atualmente, tem dificuldades para andar, está sem cinco dentes e diz ainda acorda suando diante dos pesadelos. O jornalista iraquiano Muntadhar Al Zaidi ficou nove meses preso em uma cadeia de Bagdá onde disse ter vivido "o pior que alguém possa imaginar".

 

Libertado no dia 15 de setembro depois de nove meses preso, Al Zaidi pede o indiciamento de Bush por crimes de guerra e reparações ao povo iraquiano pelos estragos gerados por sete anos de guerra. Com um terno impecável e relógio de luxo, ele explica que deixou o Iraque e lançou uma fundação na Suíça para ajudar as vítimas da guerra em seu país.

 

Mas sua viagem é permeada de mistérios. Ele não diz que o financia, qual seu programa na Europa, quanto tempo pretende passar e quem o está por tras de seus encontros. Após o lançamento de sua fundação, Al Zaidi conversou com o Estado sobre o que lhe ocorreu. Eis os principais trechos da entrevista:

 

Estado - O senhor imaginava que sua ação contra Bush teria tal repercussão?

 

Al Zaidi - De jeito nenhum. Sabia que iria ser difundido pelo mundo. Mas não dessa forma. O que eu fiz não foi como jornalista, foi como cidadão iraquiano indignado por tudo o que vivemos. Estamos com invasores há sete anos. A guerra já somou um milhão de mortos, um milhão de viúvas e 5 milhões de órfãos. Eu não sou e nem quero ser visto como herói. Fiz como um grito de indignação.

 

Estado - O que ocorreu com o senhor após sua prisão naquela sala de imprensa?

 

Al Zaidi - Nos três dias seguintes a minha prisão sofri o pior que alguém possa imaginar. A tortura chegou a níveis sem explicação. Fui duramente atingido por barras de ferro, cabos elétricos e tive minha cabeça colocada em um balde de água. Não queriam nada. Não pediam nada. Só me torturavam. Perdi vários dentes, tenho problemas sérios nas costas e claro, tenho medo de que haja uma vingança contra minha família que ainda está no Iraque.

 

Estado - Quem o torturava?

 

Al Zaidi - A tortura era realizada por iraquianos mesmo. Mas sob ordens dos americanos. Eles não tinham pena nenhuma.

 

Estado - O que deve ser feito a partir de agora que Bush não está no poder?

 

Al Zaidi - Ele e todos os responsáveis pela guerra precisam ser julgados por crime de guerra. Além disso, precisa haver um mecanismo para indenizar o povo do Iraque pelo sofrimento e destruição. Na guerra entre Iraque e Kuwait, a ONU criou uma comissão de compensações para dar dinheiro de forma muito correta ao povo do Kuwait que sofreu com a invasão de Saddam Hussein. Agora, o mesmo deve ser criado para o Iraque. Sofremos abusos e violações graves de direitos humanos.

 

Estado - Mas essas violações não existiam sob o regime de Saddam Hussein?

 

Al Zaidi - Claro que sim. Não estou defendendo Saddam nem nada do estilo. O que ocorreu foi uma ditadura impressionante que matou muita gente. Mas o que não esperávamos é que os supostos libertadores cometeriam crimes também.

 

Estado - Qual sua opinião sobre Barack Obama?

 

Al Zaidi - Depois de ele tirar os soldados americanos do Iraque eu direi.

 

Estado - E sobre o Iraque?

 

Al Zaidi - O país está sem rumo. A guerra não gerou ganhadores. Só perdedores.

 

Estado - O senhor está lançando uma fundação. Para que servirá a entidade?

 

Al Zaidi - Meu objetivo é coletar recursos para ajudar os mais indefesos no Iraque. Esses são os órfãos, viuvas e deficientes. Parte do meu trabalho ainda será para garantir proteção aos jornalistas.

 

Estado - Após seu ato contra Bush, governos árabes deixaram claro que estavam dispostos a lhe recompensar. Quanto o senhor recebeu após aquela conferência?

 

Al Zaidi - De fato tive ofertas de muitos presentes. Mas não aceitei nenhum.

 

Estado - Onde está o sapato que o senhor atirou em Bush?

 

Al Zaidi - Tentei saber, mas o governo deve ter destruído. Minha ideia era de colocar a leilão e, com o dinheiro, ajudar famílias de vítimas.