GENEBRA - Ele se tornou
célebre no mundo ao jogar um sapato a Goerge W. Bush durante uma coletiva de
imprensa na última visita do ex-presidente americano a Bagdá. Foi preso e
torturado. Atualmente, tem dificuldades para andar, está sem cinco dentes e diz
ainda acorda suando diante dos pesadelos. O jornalista iraquiano Muntadhar Al
Zaidi ficou nove meses preso em uma cadeia de Bagdá onde disse ter vivido
"o pior que alguém possa imaginar".
Libertado no dia 15 de setembro depois de nove
meses preso, Al Zaidi pede o indiciamento de Bush por crimes de guerra e
reparações ao povo iraquiano pelos estragos gerados por sete anos de guerra.
Com um terno impecável e relógio de luxo, ele explica que deixou o Iraque e
lançou uma fundação na Suíça para ajudar as vítimas da guerra em seu país.
Mas sua viagem é permeada de mistérios. Ele não
diz que o financia, qual seu programa na Europa, quanto tempo pretende passar e
quem o está por tras de seus encontros. Após o lançamento de sua fundação, Al
Zaidi conversou com o Estado sobre o que lhe ocorreu. Eis os
principais trechos da entrevista:
Estado - O senhor
imaginava que sua ação contra Bush teria tal repercussão?
Al Zaidi - De jeito nenhum.
Sabia que iria ser difundido pelo mundo. Mas não dessa forma. O que eu fiz não
foi como jornalista, foi como cidadão iraquiano indignado por tudo o que
vivemos. Estamos com invasores há sete anos. A guerra já somou um milhão de
mortos, um milhão de viúvas e 5 milhões de órfãos. Eu não sou e nem quero ser
visto como herói. Fiz como um grito de indignação.
Estado - O que
ocorreu com o senhor após sua prisão naquela sala de imprensa?
Al Zaidi - Nos três dias
seguintes a minha prisão sofri o pior que alguém possa imaginar. A tortura
chegou a níveis sem explicação. Fui duramente atingido por barras de ferro,
cabos elétricos e tive minha cabeça colocada em um balde de água. Não queriam
nada. Não pediam nada. Só me torturavam. Perdi vários dentes, tenho problemas
sérios nas costas e claro, tenho medo de que haja uma vingança contra minha
família que ainda está no Iraque.
Estado - Quem o
torturava?
Al Zaidi - A tortura era
realizada por iraquianos mesmo. Mas sob ordens dos americanos. Eles não tinham
pena nenhuma.
Estado - O que deve ser
feito a partir de agora que Bush não está no poder?
Al Zaidi - Ele e todos os
responsáveis pela guerra precisam ser julgados por crime de guerra. Além disso,
precisa haver um mecanismo para indenizar o povo do Iraque pelo sofrimento e
destruição. Na guerra entre Iraque e Kuwait, a ONU criou uma comissão de
compensações para dar dinheiro de forma muito correta ao povo do Kuwait que
sofreu com a invasão de Saddam Hussein. Agora, o mesmo deve ser criado para o
Iraque. Sofremos abusos e violações graves de direitos humanos.
Estado - Mas essas violações
não existiam sob o regime de Saddam Hussein?
Al Zaidi - Claro que sim. Não
estou defendendo Saddam nem nada do estilo. O que ocorreu foi uma ditadura
impressionante que matou muita gente. Mas o que não esperávamos é que os
supostos libertadores cometeriam crimes também.
Estado - Qual sua opinião
sobre Barack Obama?
Al Zaidi - Depois de ele tirar
os soldados americanos do Iraque eu direi.
Estado - E sobre o
Iraque?
Al Zaidi - O país está sem rumo.
A guerra não gerou ganhadores. Só perdedores.
Estado - O senhor
está lançando uma fundação. Para que servirá a entidade?
Al Zaidi - Meu objetivo é
coletar recursos para ajudar os mais indefesos no Iraque. Esses são os órfãos,
viuvas e deficientes. Parte do meu trabalho ainda será para garantir proteção
aos jornalistas.
Estado - Após seu ato
contra Bush, governos árabes deixaram claro que estavam dispostos a lhe
recompensar. Quanto o senhor recebeu após aquela conferência?
Al Zaidi - De fato tive ofertas
de muitos presentes. Mas não aceitei nenhum.
Estado - Onde está o
sapato que o senhor atirou em Bush?
Al Zaidi - Tentei saber, mas o
governo deve ter destruído. Minha ideia era de colocar a leilão e, com o
dinheiro, ajudar famílias de vítimas.