UMA TEORIA POLÍTICA BRASILEIRA?

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Uma conexão intempestiva: a política experimental de Rui Barbosa e Mangabeira Unger


Rui Barbosa, em seu livro intitulado Teoria Política, o qual à primeira vista parece mais um dos manuais jurídicos tão comuns hoje em dia com suas definições prontas a serem decoradas, logo nas primeiras páginas descreve como a política é essencialmente experimentação.

 

A política não é a ideologia , nem a estética. Não pode ter nem as abstracções ideais da metafísica, nem a inflexibilidade rectilínea e absoluta da dialéctica dedutiva, nem as combinações simétricas da arte. É, por excelência, entre todas, a ciência experimental. Freqüentes vezes, portanto, sucederá que os seus resultados actuais figurem de contraditórios ou desconexos, quer porque os elementos da indução não sejam suficientes para estabelecer a fórmula definitiva da verdade, quer porque entre esses dados superficialmente opostos esteja por descobrir ainda a lei de harmonia interior. (1)

 

Além de ser uma especulação pura, reconhece o autor, a política trabalha sempre com pontos de vista divergentes e, por vezes, contraditórios. Logo na página seguinte ele chega a dizer mesmo que a política como radicalismo deve ser vista como "um elemento de ordem, um princípio de paz", que, ao mesmo tempo em que vai impossibilitar que algum os extremismo particular triunfe, vai ser a mola propulsora do espírito revolucionário quando o marasmo se instala.

Isso é algo que, contudo, não é privilégio do debate entre homens políticos, mas um elemento de fundamentação pluralista da própria atividade do político. Basta ver como Rui Barbosa em certas épocas era conservador, em outras positivista, posteriormente socialista, etc. Poder-se-ia, portanto, haver uma outra leitura do fato de uma série de intelectuais brasileiros, tais como o próprio Rui ou Pontes de Miranda, utilizarem descabidamente uma série de teorias divergentes para o desenvolver de seu pensamento.

Se a política é experimentação, a qual, segundo Rui, não se conhece a lei de sua harmonia interior, talvez porque ela ainda estivesse para ser descoberta, o ministro e professor Roberto Mangabeira Unger, entende que não temos nenhuma possibilidade de explicação verossímil das estruturas institucionais. Nem por isso ele deixa de associar a política à experimentação.

 

O projeto democrático, liberto tanto de otimismo dogmático quanto de pessimismo dogmático, é o esforço de identificar as estruturas práticas que se situam na área de coincidência possível entre as condições de progresso material e as condições de independência individual; a esperança de encontrar essa área de coincidência faz sentido porque tanto o progresso material quanto a liberação do indivíduo dependem da aceleração do aprendizado coletivo pelo experimentalismo prático. Ambos exigem que sujeitemos práticas sociais a um ajuste experimental, e que avancemos em direção àquelas práticas que nos encorajam a ajustá-las cada vez mais. (3) (grifei)

 

Unger, contudo, chega a alertar para o fato de que esse experimentalismo não pode se ater a um fetichismo institucional, ou seja, esperar que as mudanças se dêem de forma verticalizada a partir de planos ou de humanismos. Também não é algo que acredita em uma espontaneidade da sociedade ou mesmo da tão acreditada solução nas agremiações ou identidades coletivas, as quais são apenas teimosia de diferença. Não. A única capacidade que identidades coletivas têm de produzir diferença real seria nas mudanças estruturais. A título de ilustração, cumpre relembrar o exemplo dado pelo autor sobre a propriedade, a qual, deve, ao invés de reproduzir em larga escala a socialização da propriedade individual, dar lugar a direitos de propriedade fragmentários, condicionais e temporários, garantindo a gestores, entidades, fundos sociais ou pequenos empresários a possibilidade de gestão circunstancial, o que não deixa de ser uma experimentação.

 

Cumpre saber se a conexão entre possibilidade e utopia defendida por Unger e Rui Barbosa, pensadores tão distanciados no tempo cronológico, pode ser tomada como um exemplo de uma teoria política brasileira. Curiosamente, se isto fosse tomado como um modelo político já entraria em contradição com seus propósitos. No entanto, essas experimentações no tempo do seqüestro da experiência enquanto atitude poderiam ser muito bem vindas em tempos realistas e pragmáticos na política brasileira. Faz-se lei de forma circunstancial e em decorrência de fatos específicos e, por outro lado, nota-se que as discussões políticas da população somente são repeteco de discursos de radicalização do aparato estatal para conter a realidade, compreendida exclusivamente como violência. A experimentação, quem sabe, pode ser uma alternativa à incapacidade de se reconhecer representações artísticas que sejam atos de mudanças, ou seja, pode fazer pensar sobre a possibilidade da mudança de estruturas sem que se tome por base modelos os mesmos modelos racionolóides. 


(1) BARBOSA, Rui. Teoria política. São Paulo: W. M. Jackson, 1964, p. 3.

(2) UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o futuro da democracia. Tradução de Caio Farah Rodriguez e Marcio Soares Grandchamp. São Paulo: Boitempo, 2004,  p. 16-17.