Saiu recentemente pela Editora Argos, de Chapecó, uma reunião de três ensaios de Giorgio Agamben ("O que é o contemporâneo?", "O que é um dispositivo" e "O amigo"), traduzidos pelo meu colega e amigo Vinícius Honesko, que também assina, ao lado de Susana Scramim, a apresentação deste O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Como se sabe, Agamben é um grande crítico do que ele chama, maliciosamente, de "pseudo-filosofias da comunicação", ou seja, de Habermas & cia. Em O Reino e a Glória (que está sendo traduzido e deve sair em breve pela Boitempo), Agamben argumenta que mesmo uma genealogia sumária de consenso revelaria o seu parentesco com a aclamação (e não com o diálogo). Por isso, em "O amigo", Agamben prefere falar - fato ressaltado na Apresentação - no "com-sentimento" como dimensão primeira da política: não a unicidade, mas também não o conflito, e sim a co-existência. É interessante que aqui Agamben também se afasta de elaborações como as de Jacques Rancière - para quem a política pressupõe um dano fundamental, uma "partilha do sensível" (do espaço e das coisas, mas também do modo de encará-las, bem como a própria partilha) - e, se ainda restava dúvidas para alguém (sim, porque existem aqueles que acham que citar um autor é endossá-lo), Carl Schmitt, que dizia que toda política nasce da tomada, divisão e contagem (o Nomos), o que implica a definição de um inimigo (e, por tabela, a definição do amigo). É evidente que Rancière e Schmitt tiram conclusões diferentes: aquele diz que a política nasce quando o "erro de contagem" vêm à tona com a emergência dos sem-classe, que embaralham a partilha existente; enquanto este afirma a política como decisão soberana sobre a divisão. Todavia, em ambos, a dimensão do conflito que sucede a divisão é essencial (e talvez esse seja um dos motivos pelo deslumbramento de certos pensadores de esquerda por Schmitt). Já para Agamben, existe uma "condivisão que precede toda divisão, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de existir, a própria vida". Esta condivisão é o que ele chama de "amizade", "E é essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário que constitui a política".
O que é o contemporâneo e outros ensaios (G. Agamben)
Saiu recentemente pela Editora Argos, de Chapecó, uma reunião de três ensaios de Giorgio Agamben ("O que é o contemporâneo?", "O que é um dispositivo" e "O amigo"), traduzidos pelo meu colega e amigo Vinícius Honesko, que também assina, ao lado de Susana Scramim, a apresentação deste O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Como se sabe, Agamben é um grande crítico do que ele chama, maliciosamente, de "pseudo-filosofias da comunicação", ou seja, de Habermas & cia. Em O Reino e a Glória (que está sendo traduzido e deve sair em breve pela Boitempo), Agamben argumenta que mesmo uma genealogia sumária de consenso revelaria o seu parentesco com a aclamação (e não com o diálogo). Por isso, em "O amigo", Agamben prefere falar - fato ressaltado na Apresentação - no "com-sentimento" como dimensão primeira da política: não a unicidade, mas também não o conflito, e sim a co-existência. É interessante que aqui Agamben também se afasta de elaborações como as de Jacques Rancière - para quem a política pressupõe um dano fundamental, uma "partilha do sensível" (do espaço e das coisas, mas também do modo de encará-las, bem como a própria partilha) - e, se ainda restava dúvidas para alguém (sim, porque existem aqueles que acham que citar um autor é endossá-lo), Carl Schmitt, que dizia que toda política nasce da tomada, divisão e contagem (o Nomos), o que implica a definição de um inimigo (e, por tabela, a definição do amigo). É evidente que Rancière e Schmitt tiram conclusões diferentes: aquele diz que a política nasce quando o "erro de contagem" vêm à tona com a emergência dos sem-classe, que embaralham a partilha existente; enquanto este afirma a política como decisão soberana sobre a divisão. Todavia, em ambos, a dimensão do conflito que sucede a divisão é essencial (e talvez esse seja um dos motivos pelo deslumbramento de certos pensadores de esquerda por Schmitt). Já para Agamben, existe uma "condivisão que precede toda divisão, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de existir, a própria vida". Esta condivisão é o que ele chama de "amizade", "E é essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário que constitui a política".


Obrigado. Acabei de comprá-lo.
Nodari, em primeiro lugar, os parabens pelo blog.
Sobre Agamben, achei curiosa essa interpretacao, porque no Theory out of bounds ele textualmente afirma que o poder na modernidade nasce exatamente de uma 'biological fracture' que separaria Povo e povo, estabelecendo a figura do homo sacer.
Mudancas?
João: não se trata de uma contradição. A fratura biopolítica Povo/povo é o que permite a captura da política pelo poder soberano (é o que Alberto Moreiras chama de "o seqüestro biopolítico da política") - mas não a política em si. Geralmente quando Agamben fala em política, ele não está se referindo ao que normalmente costumamos entender por política, mas por uma outra dimensão dela. Abraço