"Um autor não tem direitos, apenas deveres" (Jean-Luc Godard)
Quarta-feira, dia 15 de setembro, policiais civis cariocas "foram a uma loja copiadora da Escola de Serviço Social, apreenderam todo o acervo (inclusive as pastas com o material pedagógico deixado pelos professores daquela Unidade) e detiveram o proprietário da copiadora, que foi encaminhado para a Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), na Lapa. O rapaz, identificado apenas como Henrique, foi indiciado e responderá ao processo em liberdade." Conhecendo o modus operandi da Polícia do Rio de Janeiro, tem treta no meio: a justificativa para a ação foi uma denúncia anônima, mas se houvesse, de fato, intenção de coibir a prática ilegal de cópias, os policiais não se restringiriam a uma barraquinha de xerox, quando poderiam ter fechado todas as que operam não só na UFRJ, mas na UERJ, na Unirio, na Gama Filho, na Estácio de Sá, etc, em ações que "inspirariam" as polícias de outros estados a fazer o mesmo. Aliás, é pelo perigo disso acontecer que está na hora de começar a mudar esse quadro.
Quem freqüenta o meio universitário - seja como professor, como estudante, ou como diletante mesmo - sabe do grave problema que é o acesso ao "conhecimento" (imagina então pra quem não o freqüenta). O déficit das bibliotecas das universidades é alarmante (se, de fato, o governo Lula melhorou consideravelmente a situação das universidades, o aparelhamento - no bom sentido - das suas bibliotecas é um problema imenso que persiste e não é tratado como deveria), e a isso se soma a concentração do conteúdo dos periódicos acadêmicos de ponta em bancos de dados privados. Pro estudante ou professor, restam duas soluções: ou ele gasta grande parte de sua bolsa/salário em livros, ou copia ilegalmente (geralmente uma combinação de ambas). Todavia, mesmo assim não acredito que equipar melhor as bibliotecas ou reformar a lei de direitos autorais resolva o problema, ainda que possa, (e devem) mitigá-lo. A quantidade de publicações e a velocidade do mundo acadêmico hoje ultrapassam a capacidade das bibliotecas se manterem tão atualizadas como deveriam. Além disso, a mera concentração de livros ou do acesso a bons periódicos nas bibliotecas universitárias não resolve o problema de fundo que é tornar o conhecimento ou o pensamento comuns (para além das fronteiras universitárias).
Quanto à reforma dos direitos autorais, acho inócua. Primeiro porque não é possível garantir o direito ao autor de receber pela sua obra, e, ao mesmo tempo, possibilitar a reprodução (alguém tem de pagar a conta). Mas, principalmente, porque os direitos autorais expressam uma ideologia em que o conhecimento ou o pensamento são produções privadas, são mercadorias. Os direitos autorais regulam a produção do conhecimento, assinalando a cada autor o direito (até de alienar, como no caso dos ghost writers) a sua produção (livro, obra, texto), individualizando o conhecimento. Porém, e esse é o outro lado da moeda, esse dispositivo pelo qual o autor produz a sua obra é o mesmo que permite a sua responsabilização. Individualizar cada escrito a um autor é tanto garantir que ele tem direitos por ela, quanto permitir que ele possa ser total - e isoladamente - responsabilizado. Por isso, a singela ficha catalográfica, que identifica os dados da obra (autor, título, ano, editora) remete a uma regra do Index da Igreja Católica (a de número 43 na última edição), que proíbe a publicação de livros que não exibam nome e sobrenome do autor e do editor, e o ano da publicação. A regra remonta a uma Instructio do Papa Clemente VIII, datada da passagem do século XVI pro XVII, que obrigou os livros a exibirem nome, sobrenome, e país de publicação, o que não era comum na medievalidade, que conheceu uma profusão de textos anônimos sobre os quais até hoje se debate a autoria. Desde então, todos os documentos que garantem a liberdade de expressão prevêem também tal mecanismo de individualização e responsabilização. Diz o art. 11º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: "A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei". Por sua vez, diz o inciso IV do art. 5º da nossa atual Constituição: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"; por sua vez, o inciso seguinte garante o direito de resposta. Vedar o anonimato é vedar o coletivo, o comum, aquilo que pode ser apropriado por qualquer um sem que constitua uma propriedade.
O capitalismo hoje é um capitalismo de acesso. Tornar comum o acesso ao pensamento é uma das tarefas de uma política que se queira revolucionária. Portanto, acredito que esteja na hora dos próprios autores começarem a agir. Josefina Ludmer propôs uma nova "política dos que escrevemos", cuja "consigna central sería que todo libro editado, como los periódicos, sea digitalizado y puesto en Internet cuando aparece, para que pueda ser leído y usado por cualquiera que pueda acceder libremente." Nesse sentido, acho que a primeira medida seria não publicar em periódicos cujo acesso não seja totalmente livre. A segunda seria só publicar livros por editoras que aceitem autorizar expressamente a reprodução. Não se trata de nenhuma novidade. Já em 1933, Oswald de Andrade publicava Serafim Ponte-Grande com a seguinte disposição de "direito" autoral: "Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas". Mais recentemente, Giorgio Agamben, de modo mais comedido, dispôs, em seu livro O reino e a glória: "Por vontade do autor, este livro pode ser livremente reproduzido, sem fins lucrativos, em qualquer meio, desde que o texto não sofra alterações. A difusão na Internet e as traduções em línguas estrangeiras devem ser expressamente autorizadas pelo autor". Acredito que se deva ir mais longe e autorizar a reprodução também pela Internet, até para romper as fronteiras da cátedra. São pequenas medidas, mas que acredito que possam contribuir a médio prazo ao menos para evitar que casos como o do Rio de Janeiro anteontem aconteçam. Por isso, de minha parte, adotarei as duas medidas.
Quarta-feira, dia 15 de setembro, policiais civis cariocas "foram a uma loja copiadora da Escola de Serviço Social, apreenderam todo o acervo (inclusive as pastas com o material pedagógico deixado pelos professores daquela Unidade) e detiveram o proprietário da copiadora, que foi encaminhado para a Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), na Lapa. O rapaz, identificado apenas como Henrique, foi indiciado e responderá ao processo em liberdade." Conhecendo o modus operandi da Polícia do Rio de Janeiro, tem treta no meio: a justificativa para a ação foi uma denúncia anônima, mas se houvesse, de fato, intenção de coibir a prática ilegal de cópias, os policiais não se restringiriam a uma barraquinha de xerox, quando poderiam ter fechado todas as que operam não só na UFRJ, mas na UERJ, na Unirio, na Gama Filho, na Estácio de Sá, etc, em ações que "inspirariam" as polícias de outros estados a fazer o mesmo. Aliás, é pelo perigo disso acontecer que está na hora de começar a mudar esse quadro.
Quem freqüenta o meio universitário - seja como professor, como estudante, ou como diletante mesmo - sabe do grave problema que é o acesso ao "conhecimento" (imagina então pra quem não o freqüenta). O déficit das bibliotecas das universidades é alarmante (se, de fato, o governo Lula melhorou consideravelmente a situação das universidades, o aparelhamento - no bom sentido - das suas bibliotecas é um problema imenso que persiste e não é tratado como deveria), e a isso se soma a concentração do conteúdo dos periódicos acadêmicos de ponta em bancos de dados privados. Pro estudante ou professor, restam duas soluções: ou ele gasta grande parte de sua bolsa/salário em livros, ou copia ilegalmente (geralmente uma combinação de ambas). Todavia, mesmo assim não acredito que equipar melhor as bibliotecas ou reformar a lei de direitos autorais resolva o problema, ainda que possa, (e devem) mitigá-lo. A quantidade de publicações e a velocidade do mundo acadêmico hoje ultrapassam a capacidade das bibliotecas se manterem tão atualizadas como deveriam. Além disso, a mera concentração de livros ou do acesso a bons periódicos nas bibliotecas universitárias não resolve o problema de fundo que é tornar o conhecimento ou o pensamento comuns (para além das fronteiras universitárias).
Quanto à reforma dos direitos autorais, acho inócua. Primeiro porque não é possível garantir o direito ao autor de receber pela sua obra, e, ao mesmo tempo, possibilitar a reprodução (alguém tem de pagar a conta). Mas, principalmente, porque os direitos autorais expressam uma ideologia em que o conhecimento ou o pensamento são produções privadas, são mercadorias. Os direitos autorais regulam a produção do conhecimento, assinalando a cada autor o direito (até de alienar, como no caso dos ghost writers) a sua produção (livro, obra, texto), individualizando o conhecimento. Porém, e esse é o outro lado da moeda, esse dispositivo pelo qual o autor produz a sua obra é o mesmo que permite a sua responsabilização. Individualizar cada escrito a um autor é tanto garantir que ele tem direitos por ela, quanto permitir que ele possa ser total - e isoladamente - responsabilizado. Por isso, a singela ficha catalográfica, que identifica os dados da obra (autor, título, ano, editora) remete a uma regra do Index da Igreja Católica (a de número 43 na última edição), que proíbe a publicação de livros que não exibam nome e sobrenome do autor e do editor, e o ano da publicação. A regra remonta a uma Instructio do Papa Clemente VIII, datada da passagem do século XVI pro XVII, que obrigou os livros a exibirem nome, sobrenome, e país de publicação, o que não era comum na medievalidade, que conheceu uma profusão de textos anônimos sobre os quais até hoje se debate a autoria. Desde então, todos os documentos que garantem a liberdade de expressão prevêem também tal mecanismo de individualização e responsabilização. Diz o art. 11º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: "A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei". Por sua vez, diz o inciso IV do art. 5º da nossa atual Constituição: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"; por sua vez, o inciso seguinte garante o direito de resposta. Vedar o anonimato é vedar o coletivo, o comum, aquilo que pode ser apropriado por qualquer um sem que constitua uma propriedade.
O capitalismo hoje é um capitalismo de acesso. Tornar comum o acesso ao pensamento é uma das tarefas de uma política que se queira revolucionária. Portanto, acredito que esteja na hora dos próprios autores começarem a agir. Josefina Ludmer propôs uma nova "política dos que escrevemos", cuja "consigna central sería que todo libro editado, como los periódicos, sea digitalizado y puesto en Internet cuando aparece, para que pueda ser leído y usado por cualquiera que pueda acceder libremente." Nesse sentido, acho que a primeira medida seria não publicar em periódicos cujo acesso não seja totalmente livre. A segunda seria só publicar livros por editoras que aceitem autorizar expressamente a reprodução. Não se trata de nenhuma novidade. Já em 1933, Oswald de Andrade publicava Serafim Ponte-Grande com a seguinte disposição de "direito" autoral: "Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas". Mais recentemente, Giorgio Agamben, de modo mais comedido, dispôs, em seu livro O reino e a glória: "Por vontade do autor, este livro pode ser livremente reproduzido, sem fins lucrativos, em qualquer meio, desde que o texto não sofra alterações. A difusão na Internet e as traduções em línguas estrangeiras devem ser expressamente autorizadas pelo autor". Acredito que se deva ir mais longe e autorizar a reprodução também pela Internet, até para romper as fronteiras da cátedra. São pequenas medidas, mas que acredito que possam contribuir a médio prazo ao menos para evitar que casos como o do Rio de Janeiro anteontem aconteçam. Por isso, de minha parte, adotarei as duas medidas.
Se a leitura fosse para traição e não para a distração, como querem muitos, já teríamos levado Clarice a sério quando ela diz: "O verdadeiro pensamento parece sem autor"
Adotarei as mesmas medidas =)
Um beijo.
olha.... complicado, viu? ganho uma parte da minha renda vendendo meus livrinhos pela internet, tanto o Mulher de Um Homem Só em papel quanto os outros em PDF. Já encontrei versões deles em vários sites pra download e pedi pra tirar - e tiraram.
sabe, acho tudo isso muito lindo, conhecimento livre, todos podem ler tudo, os passarinhos cantam nas árvores, mas eu sou pobre mesmo e ganho pouco. os 300, 400 reais mensais que ganho vendendo meus ebooks não são nem pra eu consumir mais (q eu já mal consumo) e nem pra pagar juro de dívida (pq eu não tenho), mas pra manter minha cabeça fora dágua mesmo. todo mês, esse dinheiro, de um modo ou de outro, me salva a vida.
adoraria q todo mundo lesse o livro de graça, mas adoro ainda mais essa merrequinha que pinga na minha conta. E falo por experiencia propria.
entre 2002 e 2007, o romance esteve disponível pra download gratuito e foi baixado 30 mil vezes. eu achei possível que tiraria alguma vantagem disso, que o livro seria visto, resenhado, q talvez um editor se interesasse. Nada aconteceu.
entao... respeito a josefina, o aganbem, o oswald... mas depois de dar o livro de graça por SEIS anos (e não ganhar nada) e vender ele por UM ano (e ganhar uns 8 mil reais), eu realmente vou te dizer que prefiro vender, entende?
talvez os livros e artigos acadêmicos eu disponibilizasse de graça - pq conhecimento acadêmico é pra circular e ninguém escreve texto acadêmico pra ganhar dinheiro - mas a ficção, poxa, eu escrevo pra ganhar algunzinho que seja. é pouco mas é meu.
a única coisa q sei fazer minimamente bem é escrever. se eu der isso de graça, eu vou cobrar pelo quê? pela minha beleza? pelos meus dotes culinários? músico ainda pode fazer show, eu vou fazer o quê? dar o livro de graça e ganhar dinheiro fazendo palestra? levantando caixote no cais no porto?
eu acho essa discussão fundamental. como historiador, eu sei bem que a turma que está viva e ativa no começo de um processo (tipo nós e a internet) geralmente tem a chance de ditar os termos e as regras do jogo por muito tempo, às vezes décadas e séculos. então acho importante a gente decidir agora exatamente como produtores de conteúdo serão recompensados, como rearticular direitos autorais e internet, etc.
mas confesso, eu fico meio chateado (não estou falando de vc) quando uma das posições do debate é que justamente a única coisa que sei fazer tem que ser a partir de agora dada de graça... sabe, o cara trabalha num escritorio o dia todo e não considera trabalhar de graça pro chefe... mas eu, q me treinei a vida toda pra escrever, eu, que escrevo o dia inteiro... ah, EU tenho q escrever de graça?
então tá, né?
Caro Alex, meu xará, eu te entendo. Mas, veja bem, eu não propus que o próprio autor disponibilizasse a obra, mas que não proibisse a reprodução. E acho até que a reprodução ou mesmo a disponibilização não inviabiliza a venda impressa - há casos em que até impulsiona. Agora, no caso dos ebooks, isso talvez fique complicado mesmo.
Em todo caso, meu "manifesto" era mais voltado aos textos acadêmico-teóricos mesmo, não aos ficcionais. E, além disso, quando você for professor universitário, esses 300 ou 400 reais não te farão tanta diferença. Por fim, não estou pedindo para VOCÊ escrever de graça, estou dizendo que EU o farei (e não é tão de graça assim, o governo federal me paga uma bolsa de 3 salários mínimos para que eu produza conhecimento público; pelo menos aqui a bolsa do CNPq é de dedicação exclusiva).
Quanto à questão de disponibilizar o livro esperando que algum editor/jornalista tomasse conhecimento, gostasse e publicasse algo a respeito. Não funciona assim no Brasil. Além disso, não necessariamente serve pra muita coisa. Aqui, infelizmente, v. tem que mandar o livro pros jornalistas, acompanhado de uma boa indicação. Tenho, com outros colegas do Cultura e Barbárie uma pequena editora. Passamos seis meses enviando os títulos pra jornais e professores até conseguirmos que saísse uma pequena nota no caderno Sabático do Estadão com a capa do livro, os dados e uma pequena sinopse. Sabe quantas vendas isso gerou? UMA. Mas isso não me frustra, só prova que os jornais não servem mais pra quase nada mesmo - na área de cultura, não servem pra nada de fato. Até agora a editora deu poucos resultados, mas é um trabalho de médio prazo. Às vezes, é preciso abdicar de algo no presente pra colher no futuro.
Abraço e obrigado pelo comentário
Sim, eu não estava falando da sua proposta em si. Estava falando de que, nesse debate, sempre aparece alguém dizendo que a MINHA contribuição tem q ser trabalhar de graça.
Exato, se e quando eu for professor universitário, 400 reais nao vão fazer tanta diferença assim - mas fazem, um pouquinho.
Por outro lado, se eu conseguisse ganhar um dinheiro minimamente decente com isso (q fossem 2 mil por mês ao invés de 400), provavelmente eu não *precisaria* ser professor universitário pra ganhar a vida.
E, por fim, é isso mesmo, professor universitário ganha parte do seu salário para contribuir para o conhecimento universal sim. Ridículo é revista acadêmica não ter arquivo aberto pra download, por exemplo. Putz, eles publicam aquilo pra difundir conhecimento ou não? Então que difundam, ora!
Alex (Castro):
Eu, como ensaísta, deixo que copiem à vontade o que eu escrevo. Como autor de ficção ainda não fui publicado, mas o que eu estou escrevendo é pra vender, mesmo. Policial pipocão, sem pretensão literária alguma.
Não pretendo botar cópias em formato eletrônico para serem baixadas (que publicar e vender livros físicos, se der uma graninha, escrevo outro. Se não, não escrevo), mas tbm não consigo me ver cerceando ativamente cópias que venham a pintar na internet.
Isso ocorre por uma razão simples: uma das coisas que me possibilitaram estudar a construção de um policial-pipoca foi - além de uma bela dúzia e meia de livros e manuais comprados na Amazon - a leitura das obras completas de algumas dezenas de autores, baixadas da internet e lidas em formato eletrônico.
Eu nunca teria dinheiro para comprar e ler as obras completas de dezenas de autores de policial, e sem isso eu não teria conseguido a compreensão das regras do jogo que eu consegui ter. Simples assim.
Acho perfeitamente aceitável usar artifícios para dificultar a cópia, como não botar cópias em formato eletrônico reproduzível, usar senhas e coisas assim, de modo a manter aberta por um pouco mais de tempo uma janela durante a qual o livro seja mais lucrativo. Mas não acho que faça sentido querer *proibir*, ficar chamando polícia para sentar o porrete em quem está copiando um livro.
Para mim, faz tanto sentido qto tentar impedir alguém de assoviar uma música que ouviu no rádio.
Qto ao seu livro: eu fui um dos milhares que o baixaram e leram. Não gostei. Pensei em mandar uma crítica, mas cheguei à conclusão de que ela não te ajudaria em nada, pq eu não gostei de nada. Para o livre *me* agradar, ele teria que deixar de ser aquele livro, teria que ter diálogos em outros registros, história com outro tempo, etc. Não sou o público da sua ficção, apesar de gostar dos seus ensaios (com os quais praticamente nunca concordo em nada, o que aliás vc observou uma vez sobre os meus, qdo eu respondi uma pergunta sua sobre a empregada comer à mesa com o patrão...). Desisti de ler a sua ficção, mas se não estivesse tão sem grana compraria com muito prazer uma cópia do seu livro sobre Cuba, por exemplo. A sua técnica de não liberar tudo ajuda as suas vendas, o que é ótimo.
A leitura de um texto em formato eletrônico é sempre diferente da de um texto em livro. Eu acabo de gastar um bom dinheiro comprando um livro que está disponível em formato eletrônico, por exemplo ("as bases do autoritarismo brasileiro", do Simon Schwartzmann - recomendo), só pq eu quero ter como "navegar" por ele mais facilmente e fisicamente. Se o seu livro sobre Cuba me interessasse muito, mesmo depois de o ler em formato eletrônico pirateado (não, não rolou), eu compraria o texto impresso. Mas dificilmente eu compraria o livro em formato eletrônico.
Bom, chega de divagações. Se eu publicar meu pipocão te mando um exemplar físico de presente em troca de uma resenha. :)
As revistas acadêmicas gringas são rentáveis. E ganham ainda mais quando se incorporam a algum banco de dados da área - JSTOR, Project Muse, etc. O problema é que é difícil mudar isso de baixo pra cima, há uma porrada de interesses envolvidos. Além disso, os americanos e europeus, que tem acesso fácil a esses bancos de dados, não imaginam a dimensão do problema para um estudante ou professor brasileiro.
Agora, se sustentar vendendo ficção no Brasil? Aí você está pedindo demais. Risos.
Abraço
Nodari,
Se eu não soubesse disso, não tava aqui fazendo doutorado e me esforçando pra entender Teoria da Recepção. :)
Caro Carlos: eu também não compro livro em formato eletrônico, e eu também compro o que me interessa depois de ler trechos na internet. Tem algum caso registrado de que as vendas de certo livro ou periódico aumentaram depois que ele foi disponibilizado online. Só não consigo lembrar qual caso era.
Alex: pô, teoria da recepção é exagero. Risos.
Abraços
Comentário de uma bibliotecária: as bibliotecas federais estão melhorando muito nos últimos 16 anos, maaaaaaaaaas ainda falta muito a ser feito.
Sobre os periódicos, o Portal da CAPES tá aí que não me deixa mentir. O que não está lá, peçam pro bibliotecário. Se ele não achar de graça, entrem em contato com outras bibliotecas universitárias. Muitas assinam bases extras. E mandem e-mail pra CAPES quando algum periódico não estiver disponível. Eles demoram, mas adquirem.
Os periódicos precisam ser pagos (ok, não tanto quanto alguns cobram) pois custa dinheiro reunir um conselho editorial, fazer peer review, administrar a coisa pra se ter um mínimo de qualidade e continuidade. Por que os periódicos de universidades não são tão bons no Brasil qnt no exterior? Pq os professores cansam de administrá-los e não são pagos pra isso.
Os livros sim, ainda são um problema muito grande comparado aos periódicos. Tem de pressionar as bibliotecas universitárias a adquirirem mais e melhor. O custo do livro não é só do autor, oras! Tem que pagar alguém pra revisar, editar, fazer a ficha catalográfica, o projeto gráfico, a gráfica... vai pagar essa gente toda como? Todos têm contas a pagar.
Socializar esses custos eu acho um modelo mais viável que simplesmente não pagar a essas pessoas. Um portal da capes de livros seria mais econômico para o estado e para a sociedade. E os autores e demais envolvidos no processo também ganhariam o seu dinheiro.
Essa idéia de que o autor deve permitir a reprodução - de graça - de seu conteúdo é absurda. Ninguém nem cogita a possibilidade de que a TVA ou a NET devam permitir a reprodução de seu sinal de graça e os "catnets" são entendidos como ilegais por todos. E olha que eles nem produzem o conteúdo, só o distribuem!
Acho muito engraçado #not que o governo imponha - na Nova Rouanet, por ex - que o autor não receba pela reprodução, enquanto a gráfica, a distribuidora, o papel e todo o restante da cadeia produtiva continuam recebendo.
Você quer que o seu conteúdo seja reproduzido livremente? Lindo pra vc. Na hora em que isto for regra a produção vai cair, simples assim. Quer liberdade? A sua liberdade precisa necessariamente abraçar a escolha do outro.
Faça o que quiser com a sua produção mas propor que o seu método de trabalho vire regra para todos é fascista.
Direito autoral existe. Muito lindo essa conversa de comunitário, de coletivo. Funciona em muitas situações, inclusive. Não na maioria ou muito menos em todas.
Outra coisa: a reprodução para fins educativos está prevista em lei, eu apóio, e existe desde sempre. Essa história da xerox da faculdade está muito mal contada (não por vc) e deve ter muito coelho nessa moita. De acordo com a Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/1998) vigente, capítulo IV, artigo 46, parágrafo II, "não constitui ofensa aos direitos autorais" "a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;". A nova lei flexibiliza isso ainda mais, permitindo expressamente o uso acadêmico. O argumento de que eu devo abrir mão dos meus direitos a favor da educação deste país é falho, portanto.
Excluída a questão da educação, fica apenas o debate sobre quem se beneficia com isso. Te garanto que o autor é que não é.
Eu não vejo realmente muita solução dentro do sistema atual. Ou seja, nesse sistema econômico que vivemos, parece que realmente o autor precisa receber pelos seus trabalhos. Afinal, tem que sobreviver.
O que me anima não é isso, mas a incrível energia revolucionária despertada a partir do compartilhamento de cultura na internet. Isso me parece bem mais ambicioso que teorias econômicas que concebem alternativas dentro do nosso sistema. Os downloads de músicas, vídeos, livros, o streaming e tudo mais aponta para uma ruptura com a concepção monádica do autor típica da Modernidade (e aliada da ideia de propriedade), de um lado, e o (res)surgimento de formas distintas de relações: a dádiva, o gratuito, etc. Rompe-se com o utilitarismo do indivíduo auto-interessado e a visão da obra como propriedade do gênio privado do autor. Há uma concepção pública do intelecto e a gratuidade do dom. A pirataria pode apontar para fora de si mesma - o pirata, hostis por excelência, é o estrangeiro que rompe com a segurança do "nós" e da "nossa casa". Trata-se de uma batalha que não pode ser vencida apenas na superfície: o compartilhamento livre de cultura parece apontar para uma nova forma de sociedade que extrapola a que vivemos.
Um pequeno e bom exemplo, para demonstrar a pertinência e a viabilidade de sua reivindicação, Alexandre: a editora Hedra, de São Paulo, autorizou a reprodução integral de noventa livros de seu catálogo no Google Livros.
Uma estratégia interessante talvez fosse, em um primeiro momento, pressionarmos para que obras de domínio público, de autores nacionais ou estrangeiros, publicadas por editoras brasileiras devessem ser obrigatoriamente reproduzidas em meios eletrônicos - uma página governamental ou o próprio Google Livros. Edições fora de catálogo também deveriam ser submetidas ao mesmo precedimento. Se uma editora não pretende republicar a edição de uma determinada obra, por que não se poderia reproduzida integralmente?
Um abraço!
Moysés: estou totalmente de acordo. É óbvio que as condições objetivas importam muito mais do que mudanças subjetivas - aliás, aquelas influenciam essas. Proponho que gente ligada à academia apoie subjetiva e expressamente essa mudança. Quanto ao pirata, recomendo o belíssimo livro de Daniel Heller-Roazen, The enemy of all, uma genealogia da figura do pirada. Na resenha que fiz ao livro (link aqui), eu termino dizendo que a Internacional Pirata, que se avizinha como a única estratégia política contemporânea revolucionária, não pode prescindir do anonimato.
Carolina: não estou pedindo a ninguém para fazê-lo. Estou dizendo que eu o farei. Preste atenção antes de encher a boca e acusar os outros de fascista. Até onde eu sei, fascismo é não suportar a disposição subjetiva do outro.
Carla: muito obrigado pelas ponderações. Eu tenho alguns poréns quanto ao que v. coloca. O primeiro é a questão do acesso. Pra entender de qualquer assunto, é preciso ler um monte de porcaria pra chegar a algo interessante. Se a cada artigo que eu quisesse ler (a maioria só pra passar o olho e descobrir que era ruim) eu precisasse fazer o que v. diz - entrar em contato com as outras bibliotecas, escrever à CAPES, etc. -, eu não teria tempo pra escrever a tese. Quanto ao "processo produtivo" envolvido na confecção de uma revista acadêmica. Bem, com as novas tecnologias, acho que esse processo se simplifica consideravelmente. Eu co-edito um pequeno panfleto político-cultural que sai na rede quinzenalmente, o Sopro. Junto com a Flávia, fazemos tudo: pedimos os textos, revisamos, diagramamos (em dois formatos). Tudo bem, é só um panfleto, ainda que de qualidade muito maior do que muito periódico acadêmico por aí. Então outro exemplo: temos a editora Cultura e Barbárie, em que tudo - da escolha editorial, passando pela tradução, até chegar à diagramação - é feito por cinco pessoas gratuitamente. Hoje em dia diagramar é fácil. Há muito diagramador pago por revistas acadêmicas que faz um trabalho tão ruim que eu faria melhor em cinco minutos. Há muito revisor pago que tem total desrespeito pelo texto que revisa. Sei que estou generalizando, mas é apenas pra fazer um contraponto ao que v. coloca muito bem.
Fabiano: a tua proposta é interessante. Agora, acho difícil vingar. Teria que mudar a lei de direitos autorais. Conversando sobre a lei de direitos autorais com um amigo, ele me disse que mudar a lei é um eufemismo pra flexibilização. A intenção da mudança é benéfica, mas sabe-se lá qual o monstrengo que vai sair no Congresso. Como os autores tem certo poder no atual sistema, eles podem escolher não se submeter e começar a exigir mudanças nas suas relações com as editoras. Pode ser que isso implique certa marginalização, que isso impeça a publicação por grandes editoras, mas hoje em dia é mais fácil publicar - e há editoras, pequenas ainda, mas dispostas a encarar de frente o mundo novo.
Abraço
A Hedra é bastante foda. Adoro ela. Vou sair um livro por eles, deve sair ano que vem. Excelente iniciativa.
Excelente texto, Nodari. Quero conversar pessoalmente a respeito dos desdobramentos desse texto.
Inadvertidamente eu comecei a discutir este artigo do Alexandre no share do Idelber no Google Reader, mas acho melhor continuar aqui mesmo.
Em primeiro lugar, uma coisa precisa ficar clara: pouco importa nesta discussão a posição do autor individual. O que está em jogo são interesses e forças muito maiores, que de uma forma ou de outra vão passar por cima de qualquer interesse ou gosto pessoal que nós possamos ter. Fascista, carolina, é uma palavra vazia neste contexto.
E para deixar uma coisa clara, o Alex sabe bem que eu apoio o autor independente como eu posso. Comprando todos os livros dele, por exemplo ou ajudando a publicar o lindo "Mulher...".
Dito isto, o mercado editorial ou se reforma acima e além da visão atrasada de propriedade intelectual ou morre. Será que ninguém neste mercado observou o que aconteceu com o mercado de música? Ou o mercado de software? Vocês acham realmente que o mercado editorial é de alguma forma diferente, especialmente um mercado editorial atrasado e ineficiente como o brasileiro?
O caso universitário é emblemático. Não só a cópia é necessária por motivos econômicos (falta de exemplares nas bibliotecas, preços extorsivos) como pela impossibilidade de compra - para ficar em um exemplo que eu conheço bem, a maioria das traduções importantes em Filosofia e Psicologia publicadas antes de 2000 está esgotada.
O mercado editorial ficou de fora da revolução digital até agora por três motivos: o relativo desinteresse dos adolescentes (que preferiram transformar antes a indústria da música e a de jogos), a dificuldade de transposição (transformar um CD em mp3 é um processo automático, digitalizar um livro é bem mais trabalhoso) e a inexistência de readers viáveis. Os três motivos estão desaparecendo rápido: os adolescentes cresceram e foram para a universidade, os novos readers (Kindle, iPad) são bons o bastante. A digitalização ainda é trabalhosa mas cada vez menos necessária, pois a maioria dos livros já está sendo disponibilizada em formato digital.
Resta o problema óbvio, como remunerar o autor (não a editora ou o conglomerado). Músicos podem fazer shows mas acho que pouca gente pagaria para ouvir o Alex ler. Imagino que o caminho mais provável é o mecenato em larga escala. E aliás, há números mostrando que o compartilhamento de música em mp3 não só aumentou a venda de CDs como também fez surgir mais músicos, não menos.O argumento de que a pirataria vai inibir a produção é uma falácia de quem só vê o modo antigo de fazer as coisas.
No meio universitário brasileiro reprodução não autorizada de textos sempre foi encarada com naturalidade. Entretanto, a lei jamais apoiou está naturalidade. Agora, com novos e melhores mecanismos de controle e coerção, fica cada vez mais difícil escapar da discussão real, como o Alexandre a coloca. É preciso reescrever a questão da cópia como uma questão política, ou em breve ela será transformada pelos detentores da propriedade intelectual em uma questão meramente
Por fim, vou só transcrever os links que pus no Reader:
A Free Software Foundation há mais de 20 anos luta contra a noção mesmo de propriedade intelectual nos moldes capitalistas: http://www.fsf.org.
O Creative Commons, uma iniciativa importante no campo da propriedade coletiva: http://creativecommons.org/.
O fundador da FSF, Richard Stallman, escreveu esta historinha profética em 1997, "The Right to Read": http://www.gnu.org/philosophy/right-to-read.html . Agora nós estamos chegando lá.
Caro Paulo: que bom que v. deixou seu comentário por aqui. Concordo com tudo o que v. diz. Não dá pra dizer que o compartilhamento online diminui as vendas sem testar. No caso de editoras pequenas, é provável que aconteça o contrário (com alguns colegas tenho uma pequena editora, a Cultura e Barbárie, e estamos estudando a idéia; aliás, inicialmente, a intenção era, de fato, disponibilizar integralmente o conteúdo; acabamos dando pra trás, mas talvez seja a forma mais viável pra alavancar as vendas - até porque, como disse num comentário acima, a exposição de um dos títulos em um jornal impresso resultou em apenas uma venda). Acho que v. vai no nó da questão quando diz: "É preciso reescrever a questão da cópia como uma questão política, ou em breve ela será transformada pelos detentores da propriedade intelectual em uma questão meramente policial". Abraço
Eu vi agora que ao copiar o parágrafo ele ficou truncado. No final de meu comentário acima está escrito: "É preciso reescrever a questão da cópia como uma questão política, ou em breve ela será transformada pelos detentores da propriedade intelectual em uma questão meramente"
Devia ser como o Alexandre citou (do Reader): "É preciso reescrever a questão da cópia como uma questão política, ou em breve ela será transformada pelos detentores da propriedade intelectual em uma questão meramente policial."
(Alexandre, se você quiser editar meu comentário original não é preciso nem publicar este...) Abraço.
Nodari,
Eu disse: "Faça o que quiser com a sua produção mas propor que o seu método de trabalho vire regra para todos é fascista."
Vc disse: "Até onde eu sei, fascismo é não suportar a disposição subjetiva do outro."
Vale a ressalva de que não estou te chamando de fascista, estou afirmando que a atitude de impor a demais o que quer que seja é fascista, ou seja, é antiliberal e antidemocrático. Sinto muito, mas é.
Você diz: "não estou pedindo a ninguém para fazê-lo. Estou dizendo que eu o farei." Entretanto, sim, você está propondo isso com o seu texto. Mesmo que não explicitamente, esta é a sua proposta em todo o conjunto do texto (e vc sabe disso).
E, se de tudo que eu escrevi, você só se incomodou com o emprego do termo fascista, estamos bem.
Moysés,
"Eu não vejo realmente muita solução dentro do sistema atual. Ou seja, nesse sistema econômico que vivemos, parece que realmente o autor precisa receber pelos seus trabalhos. Afinal, tem que sobreviver."
Você consegue vislumbrar algum sistema em que o [profissional de qualquer espécie] não precise receber pelos seus trabalhos? Que não tenha que sobreviver? o.O
Uau!
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Paulo Candido,
Opa! Com isso eu concordo. O mercado editorial percisa urgentemente rever os processos e métodos com os quais remunera os seus profissionais. Precisa rever distribuição (só lembrando que distribuição - e não editora e autor - representa 50% do preço de capa de um livro), precisa rever impressão, precisa rever um monte de coisa ou então será, sem dúvida alguma, devorado. O direito autoral, entretanto, continua existindo (assim como em música, etc).
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Nodari,
Que pena que vc me deixou em moderação. Achei que haveria debate. Pelo visto não sou bem-vinda. Retiro-me.
Bom debate. Mas isso é um baita problema estrutural mesmo em relação ao qual, para variar, não é possível achar uma saída liberal - do tipo "cada um faz o que quer com o seu trabalho" -, dentro da ordem atual suspeito que só é possível pensar em alguns caminhos para mitigar o problema mesmo.
Sim, a ideia contemporânea da autoria nasce mesmo como meio de controle e, só num segundo momento, ela é redesenhada de forma também a oferecer certa contrapartida - seja pelo status ou pelo dinheiro que gera. O problema é que se isso, em um primeiro momento, ajudou as pessoas a produzirem mais e melhor, em um segundo momento, houve um processo de exaustão - e falo da maneira como isso passou a estimular uma produção pior e, ao mesmo tempo, a não responder às demandas (de velocidade, inclusive) que o próprio sistema produziu.
Como a produção cultural pode ser viável em um Capitalismo? Creio que temos uma contradição paraticamente cristalizada por aqui. Em um primeiro momento, o sistema não dá garantias - ou dá muito pouco - para aqueles que produzem algo na área de literatura e da filosofia - só para parar em exemplos mais evidentes -, a luta, por si só, de jogar a produção no mercado já é dura, mas ao mesmo tempo em que o sistema faz isso, ele próprio demanda - para sua auto-sustentação imediata ou, mais importante ainda, para realizar a fagocitose de ideias contra-hegemônicas - que a difusão desse conhecimento seja rápida e eficiente.
Reformas na lei de direitos autorais, como você bem anota, desembocando na criação de um sistema de remuneração mais efetivo e outros quetais podem ajudar a minorar o descalabro, mas não vão ajudar a resolver infecção, talvez diminui-la - ou menos ainda, ajudar a diminuir a febre.
O problema aqui é mais embaixo, estamos próximos da zona de instabilidade central que esse modelo, parido na Revolução Francesa, nos legou: A disfunção prática gerada pela negação do múltiplo e o uso de categorias como público e privado que, quando o caldo entorna, não servem para nada. Não é difícil conceber saídas pra tanto, porém, neste exato momento, todas elas exigem sacrifícios pessoais consideráveis.
Paulo, vc é lindo. O Nodari tb. E a Carolina tb - Caro, não se assusta, não, volta!
Eu só queria acrescentar que, mais q uma questão política, tb é uma questão cultural. A gente só tem alguns anos pra decidir e criar um novo modelo de disponibilização e viabilização na arte na internet. Eu dei meu testemunho de autor, mas naturalmente q eu sei que a situação transcende e muito os próprios autores. Nossa geração tem uma oportunidade única de recriar a industria cultural. Daqui a 20 anos, eu não quero olhar pra trás e pensar que perdemos essa oportunidade.
Eu já saquei que o mecenato é uma possibilidade. E, de fato, provavelmente ganhei mais dinheiro vendendo o meu livro assim do que ganharia publicando-o por alguma editora pequena e sumindo nos catálogos. Mas eu encaro meu trabalho de vender minha obra como um full-time job e acabo me irritando mt com isso, me chamam de chato, mercenário, me acusam de fazer auto-jabá, etc.
Mas a questão é justamente outra: para cantores, já é viável dar música de graça e ganhar dinheiro em shows; para compositores, acabou o mercado - prevejo que vamos ver cada vez menos musicas compostas por terceiros, e nao pelo proprio cantor; para academicos, q tem na academia sua fonte de renda, acho que vamos ver uma abertura progressiva.
Mas e escritores de ficção, amigos? Qual vai ser o modelo de negócios que vai surgir, que vai vencer? Estamos abertos a sugestões....
Paulo, vc é lindo. O Nodari tb. E a Carolina tb - Caro, não se assusta, não, volta!
Eu só queria acrescentar que, mais q uma questão política, tb é uma questão cultural. A gente só tem alguns anos pra decidir e criar um novo modelo de disponibilização e viabilização na arte na internet. Eu dei meu testemunho de autor, mas naturalmente q eu sei que a situação transcende e muito os próprios autores. Nossa geração tem uma oportunidade única de recriar a industria cultural. Daqui a 20 anos, eu não quero olhar pra trás e pensar que perdemos essa oportunidade.
Eu já saquei que o mecenato é uma possibilidade. E, de fato, provavelmente ganhei mais dinheiro vendendo o meu livro assim do que ganharia publicando-o por alguma editora pequena e sumindo nos catálogos. Mas eu encaro meu trabalho de vender minha obra como um full-time job e acabo me irritando mt com isso, me chamam de chato, mercenário, me acusam de fazer auto-jabá, etc.
Mas a questão é justamente outra: para cantores, já é viável dar música de graça e ganhar dinheiro em shows; para compositores, acabou o mercado - prevejo que vamos ver cada vez menos musicas compostas por terceiros, e nao pelo proprio cantor; para academicos, q tem na academia sua fonte de renda, acho que vamos ver uma abertura progressiva.
Mas e escritores de ficção, amigos? Qual vai ser o modelo de negócios que vai surgir, que vai vencer? Estamos abertos a sugestões....
http://nerdson.com/blog/world-wide-war/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+nerdson+%28Nerdson+n%C3%A3o+vai+%C3%A0+escola%29#
um link pra vc :)
Caro Nodari,
gostamos muito do seu texto. Massa a estética do grilo.
Acho que a instituição do direito autoral está totalmente anacrônica. Não consigo pensar nesse assunto sem lembrar do prefácio ao para critica da economia politica, onde Marx enuncia aquilo que depois vai virar a cartilha, mas que é verdadeiro: as instituições jurídicas e etc ficam se arrastando pesadamente atras dos passos céleres de uma evolução dos meios materiais de reprodução e produçao do conhecimento. Hoje nao há mais limites, e as soluções dadas pelos interessados no cpyright são risíveis. Outro dia caímos na cilada (até por curiosidade) de comprar um e-book francês. Tivmos que baixar o adobe digital edition, e só posso abrir o ebook nele. Além disso, não podemos imprimir nada dele: tinha uma cota de copias que poderiam ser imprimidas, mas que zeraram sem que se possa saber por que. O livro fica travado no nosso computador: nao podemos ler ele em nenhum outro lugar... Ou seja, ficamos nos sentindo uns otários.
Não é que sejamos a favor da pirataria irrestrita. Ela vai acontecer, apesar das nossas disposições e bom senso para sustentar uma posição razoavel sobre o assunto. os escritores que arrumem outra forma de ganhar dinheiro, que nao seja a mixaria que as editoras lhes pagam pelos livros editados.
e isso é ótimo: hoje, de roraima, rondonia, amazonas, sergipe ou qualquer outro não-centro, alguem com boa capacidade de navegação de internet tem acesso a fontes de estudo e pesquisa que nao sao mais tao distantes de alguem que está na USP, na UFMG ou em qualquer outro grande centro.
Viva!!!!
Acho que tem um problema sério aí: se o sujeito critica o sistema em que vive porque o vê como injusto e propõe outro no lugar isso não significa, simultaneamente, que o sujeito possa viver da forma como propõe. Ele está preso às mesmas correntes que os demais, as que ele quer derrubar.
Me parece esse um ponto essencial na discussão.
(Quanto ao argumento de que é posição fascista impor a alguém algo que se deve fazer - ok, parece que sim - mas isso não significa, simultaneamente, que devemos adotar uma posição liberal-blasé e deixar de lado as questões materiais. Podemos convencer as pessoas a mudarem de posição. Isso não é fascista.)
bacana a discussão. só queria dizer um lance bem bobo, mas que não foi comentado. até onde sei, a maioria dos escritores, ou grande parte deles, ganha mais dinheiro falando em eventos e festivais de literatura do que com direito autoral. a relação não é a mesma com músicos, por exemplo, já que shows continuam sendo parte do trabalho. acho que para o escritor a história é especialmente complicada. isso fez com que o escritor contemporâneo, além de escrever, tenha que aprender também a contar piadas. situação que leva talvez a uma situação esquizofrênica: o escritor passou a contar piadas melhor do que escreve, já que sua grana vem mesmo é daí.
Agradeço a todos pelos comentários; a discussão está muito rica. Concordo que a questão material, levantada aqui por vários, é essencial. Só queria ressaltar que a mudança material já está em curso (um exemplo pessoal: a minha pesquisa de doutorado seria irrealizável no Brasil há alguns anos atrás, sem o material que acesso pela Internet), com a pirataria e a disponibilização ilegal. Cabe dar sustentação subjetiva, teórica e mesmo jurídica a essa mudança em curso.
O Victor da Rosa coloca outro ponto importante para a discussão: no atual sistema, poucos (ou melhor: pouquíssimos) escritores sobrevivem da própria escrita. É um dado que não pode ser desprezado, porque nos perguntamos "como o escritor vai se sustentar se não ganha pelos direitos autorais?", mas esquecemos da premissa de que o escritor NÃO se sustenta no atual sistema de direitos autorais.
Concordo com o alex que não podemos deixar o momento passar. Acho até que o momento em que estamos permite começar a repensar o que é o pensamento e a arte. Walter Benjamin tem um texto célebre em que demonstra como a reprodutibilidade da arte muda a própria arte. As mudanças técnicas atuais talvez nos obriguem a repensar se o pensamento e a arte são produções - questão colocada pelo sempre certeiro Hugo. No mundo medieval, lembra Emanuele Coccia, o pensamento e a opinião eram considerados práxis, ou seja, passíveis de controle legal (daí a onipotência do "poder espiritual" da Igreja sobre os sujeitos). A invenção do Estado moderno é a privatização do pensamento, que passa a ser concebido como uma produção, e sujeito às normas que regulam a produção (na "Apologia dos Impressores", Ben Franklin defende a livre impressão de livros sob o argumento de que os editores são como quaisquer negociadores (mercantes, banqueiros, etc.)).
Abraços
Muito bom o Post e melhor ainda ver como ele se valorizou com os comentários.
Vou adicionar meus 2 cents aqui como desenvolvedor de software, dando uma visão sobre como a coisa evoluiu no nosso mercado.
Mesmo antes do "Open Source" se tornar popular, ainda na época das BBS, nasceram os conceitos de "Shareware" e "Freeware", onde os autores independentes de software disponibilizavam gratuitamente seus softwares com o pagamento do registro sendo opcional (no caso do Shareware) ou apenas doações voluntárias (no caso do Freeware).
A grande maioria das pessoas usa sem pagar, mas se o software tem qualidade e utilidade, há um percentual razoável que paga e viabiliza-o como um negócio.
O primeiro sofware Shareware que eu paguei o registro foi um editor HTML feito por um cartunista (Nick Bradbury): O "HomeSite", este software era tão bom que depois foi comprado pela MacroMedia (que agora é da Adobe). O autor ganhou uma boa grana e montou uma outra empresa. Por ironia do destino, anos depois ele fez a maior doação única (US$250,00) para o meu software freeware (w.bloggar), apenas por eu ter feito uma integração com o novo software dele (FeedDemon).
Contei esta historinha para mostrar que autor de software não faz show, mas consegue ganhar dinheiro disponibilizando seu software gratuitamente se ele tem mercado e qualidade.
Agora vem a parte complicada: A nossa cultura.
No Brasil não há a cultura que existe nos EUA (por exemplo) de se valorizar o trabalho "voluntário" e recompensá-lo se ele foi bem feito. Tomo por exemplo meu software freeware:
Dos 5 anos que mantive o projeto ativo recebi mais ou menos uns US$ 7000 de doações. Mesmo mantendo um site em português e tendo a maior partes dos acessos e downloads vindos no Brasil, só algo em torno de 5% das doações vieram de brasileiros, isso em número de doações, pois se contar o valor doado o % é menor.
Em resumo, o que vislumbro é que o mercado brasileiro, nesta fase de transição, vai sofrer mais que o das nações que têm o hábito da leitura mais forte e principalmente que têm a cultura da recompensa pelo trabalho que espera pagamento voluntário.
Abraço a todos,
Marcelo Lv Cabral
PS. Que maravilha ler um post com todos os comentários escritos em português e nada em miguxês.
Concordo contigo e acho mais: creio que as novas tecnologias da mídias elétricas como a (já antiquadas) fotocópia e a fita K7 começaram a questionar a legitimidade do copyright. Com o advento da internet tenho certeza que o copyright, embroa seja legal não tem mais legitimidade: não pq eu e vc pensemos assim, mas sim pq o público em geral pensa. Eu escrevi aobre isto, com mais detalhes aqui http://vidamiuda.blogspot.com/2010/09/dialogos-da-meia-noite-viii-contra-o.html
Meu nome é Eduardo e sou do Partido Pirata Argentino, queria comentar um acordo que teve lugar na Argentina e que não acho justo.
A história é que as principais universidades públicas da Argentina, entre elas a Universidade de Buenos Aires, Universidade de La Plata e outras que são mantidas pelo Estado Federal chegaram a um acordo com uma instituição chamada CADRA (Cámara Argentina de Direitos Reprográficos) as universidades pagam uma quantia por aluno a CADRA um "canon" o equivalente ao "canon digital" da Espanha.
O ruim disso é que essa quantia que, no caso da Universidade de Buenos Aires, pode ser muita, logo é distribuida de acordo a o que CADRA quer.
Eu posso xerocar livros com direitos e livros sem direitos, por exemplo quem esteja xerocando o Dom Quixote ou obras clássicas. Posso xerocar aspostilas, o caderno do meu companheiro...Ou seja é impossível saber a quem pertence os "direitos autorais" do que estou xerocando ou se não pertencem a ninguem, no caso do caderno de um companheiro...
Mas CADRA reparte o dinheiro como quer e uma parte importante é "custo de administração"..
Com isso a universidade perde dinheiro que poderia usar para outros fins.
Se quiser saber algo mais sobre o "canon" por copiadoras na Argentina nas universidades públicas
Outro análise sobre o pagamento de um "canon" por copiadoras na Universidade de Buenos Aires e sua incidéncia no orçamento universitário.
Saudações.
Eduardo.
Eu acho que a Capes, o CNPq e outros órgãos de fomento tinham que ter portais que garantissem acesso gratuito a resultados de pesquisas financiadas com seus recursos. Já existe o portal de teses da capes, mas é um troço que não funciona.
Faço mestrado em História na UFF e, há pouco tempo atrás, era comum algumas pessoas que tinham sido bolsistas não aceitarem que o programa disponibilizasse seus trabalhos na internet por que achavam que isso diminuiria suas chances de conseguir publicar o trabalho por uma editora As regras mudaram recentemente, agora a disponibilização é obrigatória). Acho isso um absurdo! Um trabalho financiado com dinheiro público tem que ser de livre acesso a todos, e os órgãos de fomento tinham que criar estruturas para isso.
gucci mane so icey boy download Para além dos direitos autorais - Consenso, só no paredão!