UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), 2001 (ou 2002, não me lembro direito): estoura uma grande greve de servidores (e talvez também professores, também não lembro, mas a greve foi enorme, durou meses, e teve ocupação do Núcleo de Processamento de Dados da Universidade, o que gerou uma encrenca com o governo estadual, porque o tal NPD prestava um serviço indispensável à administração estadual), que imediatamente paralisa as atividades da Universidade, esvaziando-a. Os "estudantes", provavelmente por intermédio do CEB (Conselho de Entidades de Base, que reúne os dirigentes dos Centros Acadêmicos) decidem chamar uma assembléia pra decidir a sua "participação" ou "posicionamento" sobre a greve. Os vinte gatos pingados presentes (provavelmente um integrante de cada umas das 8 facções de esquerda, acompanhado de seu devido pupilo doutrinado, uns dois militantes pagos do PCdoB - fáceis de identificar, são uns caras cabeludos de 30 anos de idade que já fizeram milhões de cursos em universidades diferentes, e que você encontra a qualquer hora do dia em qualquer lugar da universidade, como se eles tivessem o poder de estar em vários lugares ao mesmo tempo -, mais uns dois integrantes do DCE - Diretório Central dos Estudantes - que, à época era dirigido por um grupo de anarco-artistas e "bichos-grilo"), decidem, então, que também entrariam em greve, não só em apoio às reivindicações salariais dos servidores, mas também com uma pauta própria de reivindicações (a maioria legítima e até hoje não atendidas). Em vez de aqueles vinte declararem que aqueles vintes apoiariam a greve (como, de fato, fizeram, participando dos protestos, do acampamento no NPD, etc.), coletivizaram a decisão, e, então - conseqüência lógica - os cerca de trinta mil estudantes da Universidade naquele dia entraram em greve por decisão da Assembléia Geral (sic) dos Estudantes.
Passam-se alguns meses, servidores entram em acordo com o governo e saem da greve. Um calendário de reposição de aulas é discutido e aprovado, e tudo volta à normalidade. Umas semanas depois de toda a Universidade estar funcionando regularmente, ocorre uma reunião do CEB, com mais ou menos os mesmos integrantes da "Assembléia". Um dos "bichos-grilo" se "inscreve" para falar e decide usar seu tempo para ficar em silêncio. Vaias dos integrantes das facções e de seus pupilos (mais destes do que daqueles). Ninguém respeita a "fala" do bicho-grilo. Seguem-se algumas discussões (não lembro sobre o quê, mas com certeza foram muitos "informes" e provavelmente algum assunto que nunca falta nessas reuniões, como o apoio à Cuba, essas coisas), até que outro "bicho-grilo" se "inscreve" e decide falar. Argumenta que ele - como os estudantes em geral - ainda estava em greve, afinal nenhuma Assembléia - o órgão máximo dos estudantes - havia decidido pôr fim à paralisação. Vaias, gritos histéricos dos burocratas das facções; "Isso é piada!", diz um deles.
De fato, tudo já estava normalizado e os estudantes assistiam todos às suas aulas. Mas é verdade também que, formalmente, aquela greve dos estudantes nunca terminou. Na verdade, ela nunca começou - só que isso, apesar de ser tão óbvio quanto a lógica da argumentação do "bicho-grilo", era mais complicado de fazer aqueles burocratas entenderem. A recusa dos burocratas ao silêncio era uma recusa do vazio de sua própria representação, da sua própria insignificância - uma recusa da sua falsidade ideológica.


Nossa, Alexandre. Belíssimo texto! Parabéns!
"Os vinte gatos pingados presentes (provavelmente um integrante de cada umas das 8 facções de esquerda, acompanhado de seu devido pupilo doutrinado, uns dois militantes pagos do PCdoB - fáceis de identificar, são uns caras cabeludos de 30 anos de idade que já fizeram milhões de cursos em universidades diferentes, e que você encontra a qualquer hora do dia em qualquer lugar da universidade, como se eles tivessem o poder de estar em vários lugares ao mesmo tempo -, mais uns dois integrantes do DCE - Diretório Central dos Estudantes - que, à época era dirigido por um grupo de anarco-artistas e "bichos-grilo"), decidem, então, que também entrariam em greve, não só em apoio às reivindicações salariais dos servidores, mas também com uma pauta própria de reivindicações (a maioria legítima e até hoje não atendidas)."
Que merda. Eu pensava que parte das minhas desventuras neste ano eram, pelo menos, uma experiência singular. Nem isso - se bem que saber que alguém também compartilhou dessa mesma desgraça, me faz me sentir melhor. Aliás justamente por motivos parecidos, andei pensando sobre o silêncio ultimamente.
aquele abraço
P.S.: Aquela tese que o início do novo sindicalismo no fim dos anos 70 matou o movimento estudantil deve mesmo ser verdade. Hoje, o ME está cheio de oportunistas, esquizofrênicos, perdidos e idiotas (eu sei, eu sei).
aquele abraço
Hugo: o pior de tudo é que o ME já é assim desde muito antes. E o pior é que existem partidos políticos que agem do mesmo modo, tentando usurpar uma representatividade que não lhes pertence.
Esses dias, o Histórias Brasileiras contou uma história divertida sobre o movimento estudantil também, justamente no contexto de uma descrição do Plínio.
Quanto ao silêncio: sim, a verborragia é o que aproxima capitalismo e socialismo. A medida do silêncio ainda não foi descoberta, e acho que é uma tarefa política urgente.
João: muito bom te ver por aqui colega! Um abraço
É bom ver textos por aqui...
Como um egresso dessa época mágica da saudosa greve da UFSC de 2001 (agosto/dezembro 2001, com aulas recomeçando em 2002), posso dizer que vivenciei esta experiência de uma forma mais "saída da adolescência" do que qualquer coisa. Nos meus dezoito anos, queria mesmo é ficar seis meses sem aula, bebendo todas e dormindo até tarde. Era interessado em política, mas mais interessado em curtir a vida. Mas nem por isso deixei de observar o que aconteceu naquele momento, e o que veio depois.
O uso da greve como um instrumento político não é nenhuma novidade, principalmente no serviço público (quando o Lula ganhou a eleição em 2002, certo professor meu disse que não faria greve nos próximos quatro anos, pelo menos). Mas se a universidade vive no campo das idéias, a prática paira como um pó de pirilimpimpim, com a batalha mortal dos engajados X alienados, porque para os pseudorevolucionários (os famosos hippies-credicard, bela alcunha dada por um amigo meu aos comunistas de BMW), pior que defender a privatização da universidade é não falar nada sobre ela...é passar os cinco anos do curso sem ir protestar, sem ir morar na reitoria.
Quer saber? Eu fui assim. Defendo a universidade pública, gratuita e de qualidade, mas não estou a fim de ir em assembléias vazias, de gente e de conteúdo. Quando falo da prática, quero dizer que muitas causas importantes para os estudantes numa universidade - mais concursos para professores, mais livros, melhor estrutura, maior integração - ou fora dela - melhor transporte, moradia, alimentação - são revestidas de um vermelho anacrônico, que ainda sonha com uma revolução que nunca virá. E o que é importante para a vida real dos estudantes acaba se perdendo em "causa palestina" (que eu defendo, e muito), "Fidel" (que eu não defendo), "luta contra a polícia no campus" (esperemos a proposição 19 da Califórnia) e outras coisas de pessoas que vivem no mundo da Lua.
É claro que o debate de idéias é pertinente, e pode e deve ser feito no momento que quem quer que seja queira falar, mas não se deve fazer do movimento estudantil um palanque para vociferações do "grande líder". A maioria dos estudantes era e é como eu, mais um maluco na multidão, querendo seu ganha-pão, lutando por um mundo melhor, mas bem na sua. E muitos de nós se irritam com o cara que vai lá na tua sala, diz que vai fazer greve sozinho e vai embora de carro zero, enquanto uma galera tem que pegar busão lotado.
Não estou tirando o direito da classe média-alta ter uma posição de esquerda revolucionária, mas adoraria um pouco menos de hipocrisia, de visão prática do que acontece em sua volta - mesmo! - e de não recriminar quem quer somente passar pela universidade para alcançar seu objetivo de vida, com um pouquinho mais de facilidade.
Deixo a pergunta...quais são os rumos deste movimento estudantil? De que forma podemos trazê-lo para a nossa realidade pós-guerra fria (porra, vinte anos já passaram!)? Eu sei o básico do básico da história do movimento estudantil, e por isso não consigo apontar caminhos, mas sei que o loteamento partidário e o peleguismo que acontece nele hoje não rola.
E que saudade de 2001...