Maniqueísmo petucano

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1. Alguns meses atrás, ouvi de um amigo que Marina Silva, ao não tocar nos problemas que São Paulo passou naquela época de fortes chuvas (já não lembro ao certo o mês, mas a entrevista de Marina a que se referia meu amigo foi dada no mesmo período), estava fazendo o que se esperava dela, afinal "como ela iria falar mal de seu chefe?". O "chefe", é claro, seria José Serra, e o que motivava a ligação Marina-Serra era o fato (ou a hipótese) de que a candidata do PV, roubando votos da candidatura petista, servia aos interesses de Serra.

2. Hoje, no Vi o Mundo, o Azenha sugere que tucanos e Globo decidiram inflar a candidatura de Plínio para, assim, tentar levar a eleição ao segundo turno. A conclusão, implícita - e explicitada pelos comentaristas do post -, é óbvia: Plínio está sendo usando para o jogo demo-tucano.

3. Objetivamente, os dois raciocínios são válidos - com a ressalva de que são válidos apenas se aceitarmos a premissa de que só existem dois pólos disputando. Todavia, Marina e Plínio, se acabam servindo à candidatura tucana, não estão alinhados com o pólo demo-tucano. São casos bem diferentes daqueles em que alguém supostamente fora da polaridade petucana adota um dos lados: o caso de Gabeira na eleição municipal, e, agora, novamente, na estadual; é o caso também de Heloísa Helena na eleição em 2006, na medida em que seu discurso praticamente se restringiu à moralização pós-mensalão; e seria o caso da candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, impedindo a vitória de Alckmin no primeiro turno, e possibilitando a vitória de Mercadante no segundo - aliás, é incrível como o PT faz questão de não governar o estado paulista, rifando novamente Eduardo Suplicy.

4. É claro que a subida de Marina e Plínio agora servem à Serra (como poderiam servir à Dilma, se Serra estivesse a ponto de levar a eleição no primeiro turno). Agora, isso não autoriza alguém a chamar Serra de chefe de Marina, ou de vincular a candidatura de Plínio aos interesses petucanos sem mais. Antes de tudo, a subida Marina serve à Marina e a subida de Plínio serve à Plínio. E mais: a subida dos dois serve justamente para tentar quebrar a lógica dualista que rege as análises petucanas. Uma boa posição de Marina e Plínio força as suas plataformas a serem, se não ouvidas e acatadas, ao menos levadas em consideração no segundo turno (aliás, quando Marina lançou sua pré-candidatura, alguns dias depois, Dilma já estava por aí falando de meio-ambiente). Só um maniqueísmo tosco desconsidera isso.

6 Comentários

Alexandre,

Não veria, honestamente, isso como maniqueísmo. Das quatro candidaturas, a única maniqueísta é a do PSOL - e, claro, quando falo de maniqueísmo aqui não me refiro à negação da existência de antagonismos, mas da lógica do ou está conosco ou está contra nós, uma partição arbitrária de mundo, na qual existem pessoas intrinsecamente más (aquelas que estão "do lado da ordem") e as boas (nós, aqueles que estão "do lado do povo").

O jogo do PT de levantar a acusação - e do PSDB e seus apoiadores de instrumentalizarem as candidaturas alheias - é só parte da encenação da peça retórico-propagandística na qual está reduzida isso que chamamos de democracia - tem a ver com o sistema tal e qual ele é e com a natureza dessa espécie chamada "partido".

O PT tem razão ao dizer que a mídia corporativa agora está inflando a candidatura de Plínio - como de certa forma fazia com a de Marina -, nesse jogo é a saída que resta para impedir uma derrota em primeiro turno - e Plínio e Marina se utilizam disso para ganharem espaço e de certa forma pautarem suas agendas, muito embora muitos daqueles que os convidam para seus programas ou lhes pedem entrevistas não sejam nem socialistas tampouco ambientalistas.

Isso é como há quatro anos atrás, quando HH foi no programa da notória socialista conhecida como Hebe Camargo - sim, aquela senhora que participou do Cansei e pediu para os milicos acordarem - para ganhar espaço enquanto sua anfitriã buscava ganhar audiência e tirar a vitória de segundo turno de Lula. Como o PT e o PSDB também estão "em disputa" pouco se importa se as outras candidaturas não tem um espaço justo ou se o nosso sistema não garante o espaço necessário para o debate.

Em termos gerais, todos estão inseridos na mesma lógica - e não são puros, como o Plínio que reivindica a sua presença nos debates - e atuam fielmente segundo um script de final imprevisível - ou nem tanto. Não é uma via de mão única - o que não muda a situação do PT, mas o ponto que deve ficar claro é que, nesse aspecto, o problema é sistêmico.

abraços


Uma coisa é o Pt (petistas, na verdade) acusarem a Globo e a mídia de, agora, procurar o Plínio (depois dele ter sido ignorado por meses, http://bit.ly/aArhDz), outra é acusarem o Plínio de estar fazendo jogo da direita porque encontrou espaço para divulgar suas idéias (http://bit.ly/9ZL3GS)

São duas coisas completamente diferentes que radicais como Eduardo Guimarães e outros fazem questão e não compreender e atacam como crianças boçais um homem com décadas de história de luta pelo país (http://bit.ly/aeBWmh).


Hugo: completamente de acordo: o problema é sistêmico, sem dúvida. Reconheço isso. Agora, dito isso, continuo não suportando algumas adjetivações simplistas que convertem nossa política no FLA X FLU petucano - e é por isso que não leio os blogues de ex-grandes jornalistas neo-convertidos ao lulismo; e é por isso também que o Encontro de Blogueiros Progressistas não me convence (com os campeões da adjetivação tomando a frente, me parece mais um encontro de ex-jornalistas que descobriram a blogosfera - e a esquerda - tardiamente, do que uma iniciativa de blogueiros independentes e de esquerda).

Também concordo que, no sentido que v. coloca, o único maniqueísta é o PSOL. Maniqueísmo que beira ao patetismo. "Socialista" que faz campanha pelo (no duplo sentido) Twitter, uma empresa privada que monopoliza um meio (será que, depois de eleito, vai estatizá-lo?)... Haja paciência... Falando em Twitter, o maniqueísmo psolista beira ao absurdo: esses dias, o Plínio twittou que, se tivesse a mesma grana que as campanhas de Serra e Dilma, a situação nas pesquisas seria diferente (é a velha história de negar a posição política real - e as forças políticas reais - por considerações econômicas, como se a sociedade não existisse, e fosse regida apenas por fatores monetários - nem considerações sobre hegemonia entram em jogo, é como se a disputa eleitoral partisse do zero), como se a posição do PSOL nas pesquisas decorresse SÓ de sua pouca grana. É óbvio que regras mais igualitárias mudam a disputa e são necessárias, mas não necessariamente mudariam per se o quadro - além do que, há que se pensar que não é somente Plínio que se beneficiaria do financiamento público da campanha, mas também sujeitos como Levy Fidélix (ou seja, o cidadão pagaria pela campanha de um lunático que quer aparecer, o que também nos tornaria loucos - afinal, quem rasga dinheiro a não ser loucos, e a Dilma? - desculpa, não resisti). Aliás, é nesses pontos práticos que o PSOL se mostra um partido idealista (quer financiamento público igualitário nas disputas eleitorais?, pois bem, então como faremos pra evitar os Fidelix da vida?, o PSOL não diz).

Um abraço e obrigado pela linkagem no teu blog!

P.S.: Tsavkko: você quer que ponha um banner no meu blog pros teus posts, é isso, ou entendi errado?


Alexandre,

A análise sobre o que o PT foi e é - ou do que está realmente em jogo nessa disputa -, frequentemente, está obscurecida por uma densa cortina de fumaça ideológica. Claro, a polarização entre PT e PSDB acaba entrando em foco porque os dois mobilizam o PMDB e o DEM também e, juntos, a maior parte dos recursos e dos espaços do espetáculo retórico-propagandístico.

Sobre o Encontro de Blogueiros Progressistas, confesso que me parece uma incógnita, mas estou um tanto menos pessimista quanto a isso do que você, creio que é possível produzir algo - um encontro, nesse atual momento, é bom, vamos ver como as coisas se encaminham.

Sobre muitos novos blogueiros egressos da mídia corporativa, aí, eu tenho uma visão mais pessimista: Não acho, por exemplo, que o Nassif descobriu a esquerda, mas foi exatamente o contrário; ele continua pautando coisas muito parecidas com as que pautava nos anos 90, o ponto-chave é que a grande política nacional, essa sim, andou para a direita - sem construir uma opção pela esquerda viável.

Quanto a sua sacada sobre o economicismo, concordo plenamente. Levantei essa bola discutindo com um comentarista, há alguns meses, lá n'O Descurvo; se ele conseguisse me provar que esse discurso é logicamente válido, não me restaria fazer outra coisa senão puxar voto para Serra com o intuito de acirrar as contradições de classe para, assim, chegar à Revolução.

Financiamento exclusivamente público de campanha, só funcionaria bem no caso de ser extinto o esquema de propaganda. Atualmente, é bom lembrar que nós temos um financiamento misto e isso, por si só, já mantém uma séria de partidos de aluguel. Tudo bem, eu concordo que seria razoável extinguir o financiamento privado e reduzir o público, antecipando até o horário eleitoral que seria tornado uma série de debates, durando talvez dois ou três meses - a propaganda só serve para para criar cortinas de fumaça e produzir esses nanicos engraçadinhos como Fidélix.

abraços


O fato é que há um investimento pesado de muita gente na estagnação da democracia brasileira com a criação de dois grandes blocos que se revezam o poder mas não fazem muita diferença. Mudanças até substanciais podem acontecer na troca de um bloco pelo outro, mas nunca mudanças radicais. Chamo aqui de estagnação o que outros chamam de estabilização exatamente porque acredito que uma eleição em que temos que escolher entre um A e um B que são muito parecidos [um tem o PFL, o outro tem o PMDB; ambos têm praticamente a mesma política econômica etc] é uma farsa quase tão grotesca quanto uma eleição com regime de partido único. Os americanos podem mesmo ficar furiosos com o partido verde do Ralph Nader por ter roubado votos preciosos de Al Gore e ajudado assim indiretamente a eleger George W. Bush. Mas num sistema eletioral como o brasileiro, que tem dois turnos, esse discurso é oportunista. Qual é o problema de se ter dois turnos afinal?


Caro Paulo, bom ver você por aqui. V. tem toda a razão: a eleição tem dois turnos, e o segundo turno serve exatamente pra isso, pra conseguir a maioria que não obteve no primeiro através de composição com outras forças. Agora, essa tentativa de tornar a eleição um plebiscito é que me parece preocupante (e já deu merda em 2006, lembremos), e visa, a meu ver, criar uma oposição que, como bem levantou o Hugo esfume os problemas reais (e as limitações) do governo lulista-petista. Abraço


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"Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado
em todas as línguas"

Alexandre Nodari

é doutorando em Teoria Literária (no CPGL/UFSC), sob a orientação de Raúl Antelo; bolsista do CNPq. Desenvolve pesquisa sobre o conceito de censura.
Editor do
SOPRO.

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A censura já não precisa mais de si mesma:
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Grilar o improfanável:
o estado de exceção e a poética antropofágica

"Modernismo obnubilado:
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O que as datilógrafas liam enquanto seus escrivães escreviam
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O que é um bandido?
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