Se é verdade que o autor já morreu, e que a identidade se encontra na era de sua reprodutibilidade técnica (como argumenta Eduardo Viveiros de Castro), é igualmente verdadeiro que, apesar disso, a autoridade e a identificação persistem. Assim, se posso criar um
fake profile, uma identidade virtual fictícia, mesmo assim, haverá formas de vinculá-la a mim - email de registro, ip, o mac-address, etc. A internet ainda não é uma esfera realmente coletiva, isto é, anônima. Antes, apesar de suas potencialidades, permanece amarrada por dispositivos de controle - a função-autor e a função-identidade. Não são mecanismos de disciplinamento (moldagens identitárias), mas formas de rastrear, vincular, chegar ao Um, a saber, aquilo que pulveriza o coletivo. Por isso, Deleuze via nos hackers uma forma de resistência à sociedade de controle: impossibilitando e/ou embaralhando o rastreamento e a vinculação, eles impedem que a identificação se exerça. Pragmaticamente falando: as mobilizações tem que se dar, já de saída, de forma anônima e incontrolável. Não podem principiar em poucos blogs e se espalhar devido à reação.
No recente caso dos banners anti-Folha/UOL, é claro que as corporações deram um tiro no pé ao intimidarem o Arles, pois o movimento ganhou mais visibilidade e força, mas isso não muda o fato de que a corporação conseguiu chegar ao Um - e pode tentar imputar ao Arles a disseminação dos banners, pois ele a teria principiado. A meu ver, a lição que se pode tirar é que a mobilização tem que se principiar disseminada, ou seja, tem que ser sem princípio - temos que nos adiantar à reação, e não esperar ela dar as cartas. Se quisermos melhorar nossa posição contra o fascismo contemporâneo, não podemos nos ancorar na liberdade de expressão. Não só porque, como dizia Foucault, Luzes e disciplinamento nascem juntos, mas também porque
a liberdade de expressão está vinculada à vedação do anonimato, ou seja, permite sempre a responsabilização, o rastreamento que leva ao Um. Vedar o anonimato é vedar o coletivo, o comum, aquilo que não tem princípio, mas acontece. A Internacional Pirata, que se avizinha como a única estratégia política contemporânea revolucionária, não pode prescindir do anonimato.
Alexandre,
Se eu tivesse lido isso antes, assinaria O Descurvo de forma anônima. Piadas de lado, se pergarmos, por exemplo, essa cultura exibicionista da pós-modernidade - o desejo de ver e ser visto nas mais diferentes esferas e situações -, temos que isso nada mais é do que um fruto da ideologia hegemônica e se conecta perfeitamente a esse conceito de "liberdade de expressão": Sem dúvida, a liberdade de expressão está vinculada à vedação do anonimato e, por sua vez, a possibilidade da hiper-exposição pessoal seria isso elevado à potência, portanto, nos vemos diante do esmagamento definitivo do coletivo por um indivíduo que pode ver e ser visto por tudo e por todos, mas que se esquece da assimetria entre os agentes políticos dentro do capitalismo; no fim das contas, resta ele morando numa casa de cristal tolerando o panopticismo que o rodeio por conta de seu desejo de a tudo e a todos ver, saber e poder - mesmo que esteja condenado a nunca atingir esse estágio, mas claro, ele não sabe disso.